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“Testemunhas de Jeová”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
O SANGUE
É VITAL PARA A VIDA
Como pode o sangue salvar a sua vida? Isto, sem
dúvida, lhe interessa, pois o sangue está vinculado à sua vida. O sangue
transporta oxigênio pelo seu corpo, remove o gás carbônico, ajuda-o a
adaptar-se às mudanças de temperatura, e auxilia-o a combater as doenças.
A vinculação da vida ao sangue foi feita muito
antes de William Harvey ter mapeado o sistema circulatório, em 1628. A ética
básica das principais religiões se focaliza num Dador da Vida, que se expressou
sobre a vida e sobre o sangue. Um advogado judeu-cristão disse a respeito dele:
“Ele mesmo dá a todos vida, e fôlego, e todas as coisas. Pois, por meio dele
temos vida, e nos movemos, e existimos.”*
As pessoas que acreditam em tal Dador da Vida
confiam que suas orientações são para nosso bem duradouro. Um profeta hebreu
descreveu-o como “Aquele que te ensina a tirar proveito, Aquele que te faz
pisar no caminho em que deves andar”.
Essa garantia, dada em Isaías 48:17, faz
parte da Bíblia, livro respeitado por valores éticos que podem trazer
benefícios a todos nós. O que diz ela a respeito da utilização humana do
sangue? Será que mostra como vidas podem ser salvas pelo sangue? Na realidade,
a Bíblia mostra claramente que o sangue é mais do que um complexo líquido
biológico. Ela menciona o sangue mais de 400 vezes, e algumas destas
referências envolvem a salvação de vidas.
Em uma das primeiras referências ao sangue, o
Criador declarou: “Tudo que vive e se move vos servirá de comida.…Contudo não
deveis comer carne com vida, isto é, com sangue.” Ele acrescentou: “Pedirei
contas de vosso sangue que é vossa vida”, e então condenou o homicídio. (Gênesis 9:3-6, Bíblia
Vozes) Ele disse isso a Noé, um ancestral comum e altamente estimado pelos judeus,
pelos muçulmanos e pelos cristãos. Toda a humanidade foi assim avisada de que,
no conceito do Criador, o sangue representa a vida. Tratava-se de mais do que
uma regra dietética. É evidente que estava envolvido um princípio moral. O
sangue humano tem grande significado e não deve ser mal empregado. O Criador,
mais tarde, acrescentou pormenores, por meio dos quais podemos facilmente
depreender as questões morais que ele vincula ao sangue vital.
“Os preceitos aqui delineados de modo preciso e
metódico [em Atos 15] são
qualificados como indispensáveis, fornecendo a prova mais forte de que, na
mente dos apóstolos, este não era um arranjo temporário, ou uma medida provisória.”
— Professor Édouard Reuss, Universidade de Estrasburgo, França.
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Ele novamente se referiu ao sangue ao dar a Israel
o código da Lei. Ao passo que muitos respeitam a sabedoria e a ética daquele
código, poucos estão cônscios de suas sérias leis sobre o sangue. Por exemplo:
“Se alguém da casa de Israel, ou dos estrangeiros que residirem entre eles,
tomar qualquer sangue, eu porei a Minha face contra a pessoa que toma o sangue,
e a cortarei de entre seus parentes. Pois a vida da carne está no sangue.” (Levítico 17:10, 11,
versão judaica Tanakh) Deus então explicou o que um caçador devia fazer
com um animal morto: “Ele deve derramar o seu sangue e cobri-lo de terra.…Não
deveis tomar o sangue de carne alguma, pois a vida de toda carne é o seu
sangue. Qualquer pessoa que tomar dele será cortada.” — Levítico 17:13, 14, Ta.
Os cientistas sabem agora que o código da Lei
judaica promovia a boa saúde. Ele exigia, para exemplificar, que os excrementos
fossem colocados fora do acampamento e cobertos, e que as pessoas não comessem
carne que contivesse alto risco de doenças. (Levítico 11:4-8, 13; 17:15; Deuteronômio 23:12, 13)
Ao passo que a lei sobre o sangue tinha aspectos relativos à saúde, havia muito
mais envolvido. O sangue tinha um significado simbólico. Representava a vida
concedida pelo Criador. As pessoas, ao tratarem o sangue como algo especial,
demonstravam que dependiam Dele para viver. Sim, o motivo principal pelo qual
elas não deveriam tomar sangue era, não que o sangue era ruim para a saúde, mas
que o sangue tinha um significado especial para Deus. Num concílio histórico, o
corpo governante cristão confirmou que a lei de Deus sobre o sangue ainda é
obrigatória.
A Lei repetidas vezes declarava a proscrição do
Criador a se tomar sangue para sustentar a vida. “Não o deves comer [i.e., o
sangue]. Derrama-o na terra, como água. Não o comas, para seres feliz com teus
filhos, fazendo o que é reto.” — Deuteronômio 12:23-25,
Bíblia Vozes; 15:23; Levítico 7:26, 27; Ezequiel 33:25.#
Contrário ao raciocínio de alguns hoje, a lei de
Deus sobre o sangue não deveria ser desconsiderada numa emergência. Alguns
soldados israelitas, em certa crise de tempo de guerra, mataram animais e
‘foram comê-los junto com o sangue’. Tratando-se duma emergência, era-lhes
permissível sustentar a vida com sangue? Não. Seu comandante indicou-lhes que
seu proceder ainda constituía um grave erro. (1 Samuel 14:31-35) Assim sendo, por
mais preciosa que seja a vida, nosso Dador da Vida jamais disse que suas normas
poderiam ser desconsideradas em caso de emergência.
O SANGUE E OS VERDADEIROS
CRISTÃOS
Qual a posição do cristianismo sobre a questão de
se salvar a vida humana com sangue?
Jesus era um homem íntegro, razão pela qual ele
goza de tão elevado respeito. Ele sabia que o Criador tinha dito que consumir
sangue era errado e que esta lei estava vigorando. Assim, existe boa razão para
se crer que Jesus apoiaria a lei sobre o sangue, mesmo que ficasse sob pressão para
agir de outra forma. Jesus “não cometeu nenhum pecado; [e] mentira nenhuma foi
achada em sua boca”. (1 Pedro 2:22, A Bíblia de Jerusalém)
Ele estabeleceu o padrão para seus seguidores, inclusive o padrão de respeito
pela vida e pelo sangue. (Mais tarde consideraremos como o próprio sangue de
Jesus acha-se envolvido nesta questão vital que influi em sua vida.)
Martinho Lutero indicou as implicações do decreto
apostólico: “Daí, se quisermos ter uma igreja que se ajuste a este
concílio,…temos de ensinar e insistir que, doravante, nenhum príncipe, senhor,
burguês, ou campônio, coma ganso, corça, veado, ou leitão cozinhado em sangue…E
burgueses e campônios têm de abster-se especialmente da morcela e do chouriço
com sangue.”
Observe o que aconteceu quando, anos depois da
morte de Jesus, surgiu uma questão a respeito de se quem se tornasse cristão
tinha de guardar todas as leis de Israel. Isto foi discutido num concílio do
corpo governante cristão, que incluía os apóstolos. Tiago, meio-irmão de Jesus,
referiu-se aos escritos que continham as ordens sobre o sangue, declaradas a
Noé e à nação de Israel. Seriam elas obrigatórias para os cristãos? — Atos 15:1-21.
Aquele concílio enviou sua decisão a todas as
congregações: Os cristãos não precisavam guardar o código dado a Moisés, mas
era ‘necessário’ que eles ‘persistissem em abster-se de coisas sacrificadas a
ídolos, e de sangue, e de coisas estranguladas [carne não-sangrada], e de
fornicação’. (Atos 15:22-29) Os
apóstolos não estavam apresentando um mero ritual ou um regulamento dietético.
O decreto estabelecia normas éticas fundamentais, que os cristãos primitivos
acataram. Cerca de uma década depois, eles reconheceram que ainda deveriam
‘guardar-se do que é sacrificado a ídolos, bem como de sangue e da fornicação’.
— Atos 21:25.
O leitor sabe que milhões de pessoas freqüentam as
igrejas. A maioria delas provavelmente concordaria que a ética cristã envolve não
adorar ídolos, nem participar em crassa imoralidade. No entanto, vale a pena
notarmos que os apóstolos situaram o evitar o sangue no mesmo elevado nível
moral que o evitar tais erros. O decreto deles rezava: “Se vos guardardes
cuidadosamente destas coisas, prosperareis. Boa saúde para vós!” — Atos 15:29.
Há muito se entende que o decreto apostólico é
obrigatório. Eusébio fala de uma mulher jovem de perto do fim do segundo século
que, antes de morrer sob tortura, frisou o ponto de que aos cristãos “não se
lhes permite comer o sangue sequer de animais irracionais”. Ela não estava
exercendo o direito de morrer. Ela queria viver, mas não se dispunha a
transigir quanto a seus princípios. Não sente respeito por aqueles que colocam
os princípios acima de seu ganho pessoal?
O cientista Joseph Priestley concluiu: “A proibição
de comer sangue, dada a Noé, parece ser obrigatória para toda a posteridade
dele…Se interpretarmos [esta] proibição dos apóstolos pela prática dos
primitivos cristãos, dos quais dificilmente se pode supor não terem entendido
corretamente a natureza e o alcance dela, não podemos senão concluir que se
intencionava ser absoluta e perpétua; pois o sangue não era comido por nenhum
cristão, durante muitos séculos.”
QUE DIZER DO USO MEDICINAL DO
SANGUE?
Abrangeria a proibição bíblica sobre o sangue o seu
emprego na medicina, tal como em transfusões, que por certo não eram conhecidas
nos dias de Noé, de Moisés ou dos apóstolos?
Ao passo que a terapia moderna que emprega o sangue
não existia lá naquele tempo, o uso medicinal do sangue não é moderno. Por
cerca de 2.000 anos, no Egito e em outras partes, o “sangue [humano] era
considerado como o remédio eficaz para a lepra”. Um médico revelou a terapia
ministrada ao filho do Rei Esar-Hadom quando a Assíria estava no auge da
tecnologia: “[O príncipe] está passando bem melhor; o rei, meu senhor, pode
ficar feliz. A partir do 22.° dia eu dou (a ele) sangue para beber, ele beberá
(isso) por 3 dias. Durante outros 3 dias, eu darei (a ele sangue) para
aplicação interna.” Esar-Hadom tinha contatos com os israelitas. Todavia, por
terem os israelitas a Lei de Deus, eles jamais beberiam sangue como remédio.
Era o sangue usado como remédio nos tempos de Roma?
O naturalista Plínio (contemporâneo dos apóstolos) e o médico Areteu, do
segundo século, relatam que o sangue humano era um dos tratamentos da
epilepsia. Tertuliano escreveu posteriormente: “Considerai aqueles que, com
sede cobiçosa, num espetáculo da arena, pegam sangue fresco de criminosos
iníquos…e o levam correndo para curar sua epilepsia.” Ele os contrastou com os
cristãos, que ‘nem mesmo tinham o sangue dos animais em suas refeições…Nos
julgamentos dos cristãos, oferecei-lhes chouriços cheios de sangue. Estais
convictos, naturalmente, de que [isso]…lhes é ilícito’. Assim, os cristãos
primitivos preferiam correr o risco de morrer a tomar sangue.
“O sangue, em sua forma mais cotidiana não…saiu de
moda como ingrediente da medicina e da magia”, relata o livro Flesh and
Blood (Carne e Sangue). “Em 1483, por exemplo, Luís XI, da França, estava
morrendo. ‘Ele piorava a cada dia, e os remédios de nada lhe adiantavam, embora
fossem dum caráter estranho; pois ele esperava veementemente recuperar-se com o
sangue humano que ele tirava e engolia de certas crianças.’”
“Deus e os homens encaram as coisas numa luz bem
diferente. O que parece importante aos nossos olhos não tem, muitas vezes,
nenhum valor nos cálculos da infinita sabedoria; e o que parece trivial para
nós é, não raro, de imensa importância para Deus. Isso já é assim desde o
princípio.” — An Enquiry Into the Lawfulness of Eating Blood (Indagação
Sobre a Licitude de se Comer Sangue), de Alexander Pirie, 1787.
Que dizer de transfundir sangue? Experimentos com
isto começaram no início do século 16. Thomas Bartholin (1616-80), professor de
anatomia na Universidade de Copenhague, Dinamarca, protestou: ‘Os que
introduzem o uso de sangue humano como remédio de uso interno para doenças
parecem estar abusando dele e pecando gravemente. Os canibais são condenados.
Então, por que não abominamos os que mancham sua goela com sangue humano? Algo
similar é receber duma veia cortada sangue estranho, quer por via oral, quer
por meio de transfusão. Os autores desta operação ficam sujeitos ao terror pela
lei divina, pela qual se proíbe comer sangue.’
Assim sendo, algumas pessoas refletivas dos séculos
passados discerniram que a lei bíblica se aplicava ao tomar sangue nas veias,
assim como se aplicava ao tomá-lo por via oral. Bartholin concluiu: “Ambas as
formas de se tomar [sangue] visam um só e único propósito, o de que, por meio
deste sangue, um corpo enfermo possa ser nutrido ou restaurado [à saúde].”
Esta visão geral talvez possa ajudá-lo a entender a
posição religiosa definitiva das Testemunhas de Jeová. Elas dão alto valor à
vida e procuram bons tratamentos médicos. Mas estão decididas a não violar a
norma de Deus, que tem sido coerente: Aqueles que respeitam a vida como
dádiva do Criador não tentam sustentar a vida por tomarem sangue.
Ainda assim, durante anos, ouviram-se muitas
afirmações de que o sangue salva vidas. Os médicos podem relatar casos em que
alguém sofreu perda aguda de sangue, mas recebeu transfusões de sangue e então
melhorou rapidamente. Assim, o leitor talvez fique imaginando: ‘Quão sábio ou
tolo, em sentido médico, é isto?’ Oferecem-se evidências médicas em apoio à
hemoterapia (terapia com sangue). De modo que o leitor tem, para consigo mesmo,
o dever de apurar os fatos, a fim de fazer uma decisão conscientizada a
respeito do sangue.
O QUE A BÍBLIA DIZ SOBRE TRANSFUSÕES DE
SANGUE?
A Bíblia nos proíbe de tomar sangue por qualquer via.
Assim, não devemos aceitar sangue total ou seus componentes primários, quer
como alimento, quer numa transfusão. Veja os textos a seguir:
·
Gênesis
9:4. Embora tivesse permitido que Noé e
sua família passassem a se alimentar de carne animal após o Dilúvio, Deus os
proibiu de comer o sangue. Ele disse a Noé: “Somente a carne com
a sua alma — seu sangue — não deveis comer.
” Desde então, isso se
aplica a todos os humanos, porque todos são descendentes de Noé.
·
Levítico
17:14. “Não deveis comer o
sangue de qualquer tipo de carne, porque a alma de todo tipo de carne é seu
sangue. Quem o comer será decepado da vida.
” Para Deus, a alma, ou vida,
está no sangue e pertence a Ele. Embora essa lei tenha sido dada apenas à nação
de Israel, ela mostra a importância que Deus dava a não comer sangue.
·
Atos 15:20.
‘Abstenham-se do sangue.
’ Deus deu aos cristãos a
mesma proibição que deu a Noé. A História mostra que os primeiros cristãos não
consumiam sangue, nem mesmo para fins medicinais.
POR QUE DEUS NOS MANDA NOS ABSTER DO SANGUE?
Há bons motivos médicos para evitarmos transfusões de
sangue. No entanto, o mais importante é que Deus nos manda nos abster do sangue
porque ele representa a vida, que é algo sagrado para Deus. — Levítico
17:11;
Colossenses 1:20.
Alguns conceitos equivocados
Mito: As Testemunhas de Jeová não usam remédios nem
aceitam tratamentos médicos.
Fato: Nós procuramos para nós e nossa família o melhor
tratamento médico possível. Quando ficamos doentes, consultamos médicos com
experiência em realizar tratamentos e cirurgias sem sangue. Reconhecemos os
avanços que foram feitos no campo da medicina. De fato, os tratamentos sem
sangue desenvolvidos para ajudar pacientes Testemunhas de Jeová agora são
usados para beneficiar outros pacientes. Em muitos países, qualquer paciente pode
escolher evitar os riscos decorrentes de transfusões, como doenças transmitidas
pelo sangue, reações do sistema imunológico e erro humano.
Mito: As Testemunhas de Jeová acreditam que a fé pode
curar doenças.
Fato: Nós não realizamos curas pela fé.
Mito: Evitar transfusões de sangue é muito caro.
Fato: Os tratamentos médicos sem sangue são
economicamente viáveis. *
Mito: Muitas Testemunhas de Jeová, incluindo crianças,
morrem todo ano por não aceitarem transfusão de sangue.
Fato: Essa afirmação não tem nenhuma base. É comum
cirurgiões realizarem procedimentos complexos, como operações cardíacas,
cirurgias ortopédicas e transplantes de órgãos, sem o uso de transfusões de
sangue. * Os pacientes, incluindo crianças, que não
recebem transfusão geralmente se recuperam tão bem quanto, ou até melhor, do
que aqueles que aceitam transfusão. * De qualquer modo, ninguém pode dizer com
certeza que um paciente vai morrer se recusar uma transfusão ou que vai
sobreviver se aceitá-la.
POR QUE AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ
NÃO ACEITAM TRANSFUSÃO DE SANGUE?
Isso é mais uma questão religiosa do que médica.
Tanto o Velho como o Novo Testamento claramente nos ordenam a nos abster de
sangue. (Gênesis 9:4; Levítico 17:10; Deuteronômio 12:23; Atos 15:28, 29) Além disso, para Deus, o
sangue representa a vida. (Levítico 17:14)
Então, nós evitamos tomar sangue por qualquer via não só em obediência a Deus,
mas também por respeito a ele como Dador da vida.
OS CONCEITOS ESTÃO MUDANDO
Cirurgias complexas podem ser realizadas com êxito
sem o uso de transfusões de sangue
No passado, a comunidade médica costumava encarar
as opções terapêuticas a transfusões de sangue como extremistas, ou até mesmo
suicidas. Mas isso tem mudado nos últimos anos. Por exemplo, em 2004, um artigo
publicado numa revista médica declarou que “muitas das técnicas desenvolvidas
para pacientes Testemunhas de Jeová em breve se tornarão procedimentos-padrão”. * Um artigo na revista Heart, Lung and
Circulation disse em 2010 que “a cirurgia sem sangue não deveria se limitar
apenas às Testemunhas de Jeová, mas fazer parte integral da prática cirúrgica
básica”.
Milhares de médicos em todo o mundo usam técnicas
de conservação de sangue para realizar cirurgias complexas sem transfusão.
Essas opções terapêuticas são usadas até mesmo em países em desenvolvimento e
são solicitadas por muitos pacientes que não são Testemunhas de Jeová.
SANGUE: QUEM DECIDE? BASEADO NA CONSCIÊNCIA DE
QUEM?
de J. Lowell
Dixon, M.D. (Doutor em Medicina)
OS MÉDICOS comprometem-se a
aplicar seu conhecimento, suas habilidades e sua experiência no combate à
doença e à morte. Todavia, que fazer quando um paciente recusa o tratamento
recomendado? Isto provavelmente ocorrerá se o paciente for Testemunha de Jeová
e o tratamento for sangue integral, papa de hemácias, plasma ou plaquetas.
Quando se trata de administrar
sangue, o médico talvez julgue que, quando o paciente escolhe um tratamento sem
sangue, isto deixa a dedicada equipe médica com as mãos atadas. Mesmo assim,
não devemos esquecer que outros pacientes, que não são Testemunhas de Jeová,
muitas vezes resolvem não seguir as recomendações de seu médico. Segundo
Appelbaum e Roth,1 19% dos pacientes dos hospitais-escola recusaram
pelo menos um tratamento, ou procedimento médico, embora 15% de tais recusas
“colocassem potencialmente em risco a vida”.
O conceito geral de que “o
médico é quem sabe” faz com que a maioria dos pacientes submeta-se à perícia e
à experiência de seu médico. Mas quão sutilmente perigoso seria o médico
proceder como se esta frase fosse um fato científico, e ele tratasse os
pacientes de acordo com isso. Na verdade, nossa formação médica, nossa licença
de clinicar, e nossa experiência nos dão notáveis privilégios na área
médica. Nossos pacientes, porém, têm direitos. E, como estamos
provavelmente cônscios, a lei (até mesmo a Constituição) dá maior peso aos
direitos.
Nas paredes da maioria dos
hospitais [dos EUA], vê-se a “Carta dos Direitos do Paciente”. Um destes
direitos é o consentimento conscientizado, que poderia ser mais exatamente
chamado de escolha conscientizada. Depois de o paciente ser informado dos
resultados potenciais de diversos tratamentos (ou de não se tratar), cabe-lhe
decidir a que se submeterá. No Hospital Albert Einstein, no Bronx, Nova Iorque,
EUA, declarava uma diretriz formulada quanto a transfusões de sangue e as
Testemunhas de Jeová: “Qualquer paciente adulto que não seja declarado incapaz
tem o direito de recusar o tratamento, não importa quão prejudicial tal recusa
possa ser para sua saúde.” 2
Ao passo que os médicos podem
expressar preocupações quanto à ética ou a responsabilidade judicial, os
tribunais têm destacado a supremacia da escolha do paciente. 3 O
Tribunal de Recursos de Nova Iorque declarou que “o direito do paciente de
determinar o curso de seu próprio tratamento [é] supremo…Não se pode declarar
que [um] médico violou suas responsabilidades legais ou profissionais quando
ele honra o direito de um paciente adulto competente de rejeitar o tratamento
médico”. 4 Esse tribunal também comentou que “a integridade ética da
classe médica, ao passo que é importante, não pode sobrepor-se aos direitos
individuais fundamentais aqui garantidos. São as necessidades e os desejos do
indivíduo, e não os requisitos da instituição, que são supremos”.5
Quando a Testemunha recusa
tomar sangue, os médicos talvez sintam dores de consciência diante da
perspectiva de fazerem algo que não lhes parece o máximo. O que a Testemunha
solicita aos médicos conscienciosos, porém, é proverem-lhe os melhores cuidados
alternativos, sob tais circunstâncias. Muitas vezes temos de modificar nossa
terapia para ajustar-nos às circunstâncias, tais como a hipertensão, uma grave
alergia a antibióticos, ou a indisponibilidade de certos equipamentos caros.
Quanto ao paciente que é Testemunha, pede-se aos médicos que cuidem do problema
clínico ou cirúrgico em harmonia com a decisão e a consciência do paciente, com
a decisão moral/religiosa dele de abster-se de sangue.
Inúmeros relatórios de grandes
operações feitas em pacientes que são Testemunhas mostram que muitos médicos
podem, em boa consciência e com êxito, ajustar-se à solicitação de que não se
use sangue. Por exemplo, em 1981, Cooley analisou 1.026 operações
cardiovasculares, 22% delas feitas em menores de idade. Ele decidiu “que o
risco da cirurgia em pacientes do grupo das Testemunhas de Jeová não tem sido
significativamente maior do que no caso de outros”. 6 Kambouris 7
fez uma comunicação sobre grandes operações em Testemunhas, a algumas das quais
se havia “negado tratamento cirúrgico urgentemente necessitado, devido à sua
recusa em aceitar sangue”. Disse ele: “Todos os pacientes obtiveram garantias
antes do tratamento de que suas crenças religiosas seriam respeitadas, não
importando as circunstâncias da sala de cirurgia. Esta diretriz não produziu
resultados desfavoráveis.”
Quando o paciente é Testemunha
de Jeová, além da questão de decisão, entra em cena a consciência. Não se pode
pensar apenas na consciência do médico. Que dizer da do paciente? As
Testemunhas de Jeová encaram a vida como uma dádiva de Deus, representada pelo
sangue. Elas crêem no mandamento da Bíblia, de que os cristãos têm de
‘abster-se de sangue’ (Atos 15:28, 29). 8 Assim sendo,
caso um médico violasse paternalisticamente tais convicções religiosas
profundas, e bem antigas, do paciente, o resultado poderia ser trágico. O Papa
João Paulo II tem comentado que obrigar alguém a violar sua consciência “é o
golpe mais doloroso infligido à dignidade humana. Em certo sentido, é pior do
que infligir a morte física, ou matar”.9
Ao passo que as Testemunhas de
Jeová recusam o sangue por motivos religiosos, cada vez maior número de
pacientes que não são Testemunhas decidem evitar tomar sangue, devido a riscos
tais como o da AIDS, da hepatite não-A e não-B, e das reações imunológicas.
Podemos apresentar-lhes nossos conceitos quanto a se tais riscos parecem
pequenos, em comparação com os benefícios. Mas, como indica a Associação Médica
Americana, o paciente “é o árbitro final quanto a se correrá os riscos
envolvidos no tratamento ou na operação recomendados pelo médico, ou se
arriscará a viver sem isso. Este é o direito natural do indivíduo, que a lei
reconhece”.10
Relacionado com isto, Macklin11
suscitou a questão dos riscos e benefícios relativos à Testemunha “que corria o
risco de sangrar até morrer, sem receber uma transfusão”. Um estudante de
medicina disse: “Seus processos mentais estavam intatos. Que fazer quando as
crenças religiosas são contrárias à única fonte de tratamento?” Macklin
arrazoou: “Talvez acreditemos muito firmemente que tal homem está cometendo um
erro. Mas as Testemunhas de Jeová crêem que receber uma transfusão… [pode]
resultar na condenação eterna. Fomos treinados a fazer análises de
riscos-benefícios na medicina, mas, se pesar a condenação eterna contra a vida
restante na Terra, tal análise assume um ângulo diferente.”11
Vercillo e Duprey,12
nesta edição do Journal, referem-se a In re Osborne para
sublinhar o interesse em se garantir a segurança dos dependentes, mas como foi
decidido aquele processo? Dizia respeito a um gravemente ferido pai de dois
filhos menores. O tribunal decidiu que, se ele morresse, os parentes cuidariam
material e espiritualmente dos filhos dele. Assim, como em outros processos
recentes,13 o tribunal não encontrou nenhum interesse obrigatório do
Estado que justificasse o sobrepor-se à escolha de tratamento do paciente; era
injustificada a intervenção judicial para autorizar um tratamento profundamente
objetável para ele.14 Com um tratamento alternativo, o paciente
recuperou-se e continuou a cuidar de sua família.
Não é verdade que a ampla
maioria de casos que os médicos têm confrontado, ou provavelmente irão
confrontar, podem ser cuidados sem sangue? O que estudamos, e conhecemos bem,
tem que ver com os problemas de saúde, todavia, os pacientes são seres humanos
cujos valores e alvos individuais não podem ser ignorados. Eles sabem melhor
quais são suas próprias prioridades, sua própria moral e consciência, o que dá
significado à sua vida.
Respeitar a consciência
religiosa dos pacientes que são Testemunhas talvez seja um desafio à nossa
perícia. Mas, ao enfrentarmos este desafio, sublinhamos valiosas liberdades mui
prezadas por todos nós. Como John Stuart Mill escreveu apropriadamente: “Não é
livre nenhuma sociedade em que tais liberdades não são, como um todo,
respeitadas, seja qual for a sua forma de governo… Cada qual é o guardião
correto de sua própria saúde, seja ela física, seja mental, seja espiritual. A
humanidade é que mais lucra ao permitir que cada um viva como bem lhe parecer,
em vez de compelir cada pessoa a viver como parece ser bom para os demais.”15
TESTEMUNHAS DE JEOVÁ O DESAFIO
CIRÚRGICO/ÉTICO
Os
médicos enfrentam um desafio incomum ao tratarem as Testemunhas de Jeová. Os
membros desta crença têm profundas convicções religiosas contra aceitarem
sangue total, homólogo ou autólogo, papas de hemácias [glóbulos vermelhos],
concentrados de leucócitos [glóbulos brancos], ou de plaquetas. Muitos
consentirão no uso do equipamento de coração-pulmão (sem o emprego de sangue
como volume de escorva), de diálise, ou de outro similar, se a circulação
extracorpórea for ininterrupta. A equipe médica não precisa preocupar-se de ser
legalmente responsabilizada, pois as Testemunhas de Jeová tomarão as
providências legais adequadas para eximi-la da responsabilidade no tocante à
sua recusa conscientizada de sangue. Aceitam expansores do volume do plasma que
não contenham sangue. Por empregarem estes, e por outras técnicas meticulosas,
os médicos estão realizando grandes cirurgias, de todos os tipos, em pacientes
que são Testemunhas, quer adultos, quer menores. Assim se desenvolveu uma norma
de atendimento a tais pacientes, em concordância com o princípio de tratar a
“pessoa inteira”. (JAMA, 1981; 246:2471-2472)
OS
MÉDICOS enfrentam um crescente desafio, que veio a ser uma grande questão em
debate sobre a saúde. Há mais de meio milhão de Testemunhas de Jeová nos
Estados Unidos [mais de 250.000 no Brasil] que não aceitam transfusões de
sangue. O número de Testemunhas, e dos que se associam com elas, vem
aumentando. Embora, antigamente, muitos médicos e autoridades hospitalares
considerassem a recusa de uma transfusão um problema jurídico e procurassem
obter autorização judicial para administrar o tratamento que achavam ser
clinicamente aconselhável, recentes publicações médicas revelam que tem havido
apreciável mudança de atitude. Tal se deve possivelmente à maior experiência no
campo da cirurgia em pacientes com taxa muito baixa de hemoglobina, e pode ser
que reflita também a crescente percepção do princípio legal de consentimento
conscientizado.
Hoje,
grande número de casos de cirurgia eletiva e de traumatismo, que envolvem
Testemunhas, tanto adultas como menores de idade, estão sendo atendidos com bom
êxito sem transfusões de sangue. Recentemente, representantes das Testemunhas
de Jeová reuniram-se com equipes cirúrgicas e administrativas em alguns dos
maiores centros médicos dos Estados Unidos. Estas reuniões melhoraram o
entendimento e ajudaram a solucionar questões sobre o reaproveitamento de
sangue, transplantes e a questão de evitar o confronto médico/legal.
A POSIÇÃO DAS TESTEMUNHAS SOBRE
TERAPIAS
As
Testemunhas de Jeová aceitam tratamento médico e cirúrgico. Com efeito, há
entre elas dezenas de médicos, e até mesmo cirurgiões. Mas as Testemunhas são
pessoas profundamente religiosas e acreditam que a transfusão de sangue lhes é
proibida por passagens bíblicas como estas: “Somente a carne com a sua alma —
seu sangue — não deveis comer.” (Gênesis 9:3, 4);
“[Tendes] de derramar seu sangue e cobri-lo com pó” (Levítico
17:13, 14); e: “Que se abstenham…da fornicação, e do estrangulado, e
do sangue” (Atos
15:19-21).1
Embora
estes versículos não estejam expressos em termos médicos, as Testemunhas
consideram que proíbem a administração de transfusão de sangue total, de papas
de hemácias, e de plasma, bem como de concentrados de leucócitos e de
plaquetas. Entretanto, o entendimento religioso das Testemunhas não proíbe de
modo absoluto o uso de componentes, como a albumina, as imunoglobulinas e os
preparados para hemofílicos; cabe a cada Testemunha decidir individualmente se
deve aceitar a esses.2
As
Testemunhas crêem que o sangue retirado do corpo deve ser inutilizado, de modo
que não aceitam a autotransfusão de sangue retirado de antemão e guardado. As
técnicas de coleta ou de hemodiluição intra-operatórias que envolvam guardar o
sangue para ser reposto, lhes são inaceitáveis. Entretanto, muitas Testemunhas
permitem o uso de equipamento de diálise, do coração-pulmão artificial (não se
empregando sangue como volume de escorva), e o reaproveitamento
intra-operatório, caso a circulação extracorpórea seja ininterrupta; o médico
deve consultar o paciente sobre o que a consciência deste lhe dita.2
Não
parece às Testemunhas que a Bíblia faça comentários diretos sobre transplantes
de órgãos, por conseguinte, as decisões quanto a transplantes de córnea, de
rins, ou de outros tecidos, precisam ser feitas pelas Testemunhas
individualmente.
SÃO POSSÍVEIS AS GRANDES CIRURGIAS
Embora
muitas vezes os cirurgiões se tenham recusado a tratar as Testemunhas, porque a
posição destas sobre produtos de sangue parecia “amarrar as mãos do médico”,
muitos médicos agora decidiram considerar a situação como apenas mais uma
complicação que desafia sua perícia. Visto que as Testemunhas não têm objeção
ao uso de fluidos substitutos colóides ou cristalóides, tampouco ao
eletrocautério, à anestesia hipotensiva,3 nem à hipotermia, estes
têm sido usados com sucesso. As aplicações atuais e futuras da hidroxietila de
amido (amido-hidroxietil),4 de injeções endovenosas em grandes doses
de dextrana ferrosa,5,6 e do “bisturi elétrico”7 são
promissoras e não são objetáveis em sentido religioso. Também, se um
recém-descoberto substituto do sangue, de perfluorocarbono (Fluosol-DA),
mostrar não conter riscos e ser eficaz,8 seu uso não entrará em
choque com as crenças das Testemunhas.
Em
1977, Ott e Cooley9 comunicaram que foram feitas 542 operações
cardiovasculares em Testemunhas sem o emprego de transfusão de sangue, e
chegaram à conclusão de que se pode usar esse processo “com risco
aceitavelmente baixo”. Atendendo à nossa solicitação, Cooley fez recentemente
um estudo estatístico de 1.026 casos de operações, 22% tendo sido feitas em
menores, e concluiu “que o risco da cirurgia em pacientes do grupo das
Testemunhas de Jeová não tem sido significativamente maior do que no caso de
outros”. Similarmente, Michael E. DeBakey, M.D. (doutor em medicina) comunicou
“que na grande maioria das situações [que envolvem Testemunhas] o risco de
operação sem o uso de transfusão de sangue não é maior do que no caso de
pacientes a quem administramos transfusões de sangue” (comunicado pessoal,
março de 1981). A literatura médica registra também grandes cirurgias bem-sucedidas
no campo da urologia10 e da ortopedia.11 G. Dean MacEwen,
M.D., e J. Richard Bowen, M.D., escrevem que “se fez com êxito em 20
[Testemunhas] menores de idade” a fusão espinhal posterior (dados não
publicados, agosto de 1981). Acrescentam: “O cirurgião precisa estabelecer a
filosofia do respeito pelo direito do paciente de recusar uma transfusão de
sangue e ainda assim realizar a cirurgia de um modo que dê segurança ao
paciente.”
Herbsman12
comunica ter tido bom êxito em diversos casos, incluindo alguns que envolviam
jovens, “de perda maciça de sangue em casos de traumatismo”. Ele admite que “as
Testemunhas estão numa situação de certa desvantagem no que diz respeito à
necessidade de sangue. Contudo, é também bastante claro que deveras temos
alternativas à substituição do sangue”. Observando que muitos cirurgiões se têm
sentido reprimidos de aceitar Testemunhas como pacientes, “temendo
conseqüências jurídicas”, ele mostra que esta não é uma preocupação válida.
QUESTÕES JURÍDICAS E MENORES DE IDADE
As
Testemunhas nos Estados Unidos assinam prontamente o formulário da Associação
Médica Americana [no Brasil, entregam um Termo de Responsabilidade para o
médico e o hospital], eximindo os médicos e os hospitais da responsabilidade,13
e a maioria das Testemunhas traz consigo um cartão datado, assinado por
testemunhas, “Alerta Para os Médicos” [“Documento Para Uso Médico”], preparado
mediante consulta a autoridades médicas e legais. Estes documentos são válidos
para o paciente (ou seus herdeiros e representantes legais) e fornecem proteção
aos médicos, pois o Ministro Warren Burger afirmou que um processo instaurado
por um caso de negligência médica “seria infundado” depois de assinado tal
documento de eximição. Também, comentando isso numa análise sobre “tratamento
médico compulsório e a liberdade de religião”, Paris14 escreveu:
“Certo comentarista que examinou a literatura [médico-jurídica] relatou: ‘Não
pude encontrar nenhuma autoridade para a declaração de que o médico
incorreria…em responsabilidade criminal…por não forçar uma transfusão a um
paciente que não a queira.’ O risco parece ser mais um fruto duma fértil
imaginação jurídica do que uma possibilidade realística.”
O
atendimento aos menores de idade representa a maior preocupação, resultando
amiúde em um processo legal contra os pais, sob as leis referentes ao abandono
dos filhos. Tais processos, porém, são questionados por muitos médicos e
advogados, familiarizados com casos das Testemunhas, os quais acreditam que os
pais que são Testemunhas procuram dar boa assistência médica a seus filhos. Não
querendo eximir-se de sua responsabilidade paterna, nem relegá-la a um juiz, ou
a um terceiro, as Testemunhas instam que se dê consideração aos princípios
religiosos da família. O Dr. A. D. Kelly, ex-Secretário da Associação Médica
Canadense, escreveu15 que “os pais de menores e o parente mais
próximo de pacientes inconscientes possuem o direito de interpretar a vontade
do paciente.…Não tenho nenhuma admiração pelas medidas judiciais de um tribunal
simulado, em sessão às 2 horas da madrugada, para tirar dos pais a custódia do
filho”.
É
axiomático que os pais têm voz ativa na assistência a seus filhos, no que diz
respeito aos potenciais de risco e dos benefícios de uma cirurgia, de uma
radioterapia ou uma quimioterapia. Por razões morais, que transcendem a questão
do risco das transfusões,16os pais que são Testemunhas de Jeová
pedem que sejam usadas terapias não proibidas religiosamente. Isto está em
concordância com o princípio médico de tratar “a pessoa inteira”, sem se
desperceber o possível dano psicossocial irreversível causado por um tratamento
intruso que viole as crenças fundamentais de uma família. Amiúde, grandes
centros em todo o país, que tiveram experiências com Testemunhas, aceitam agora
a transferência de pacientes de instituições não dispostas a tratar as
Testemunhas, até mesmo em casos pediátricos.
O DESAFIO QUE O MÉDICO ENFRENTA
Compreensivelmente,
tratar Testemunhas de Jeová pode parecer representar um dilema para o médico
devotado a preservar vidas e a saúde, empregando todas as técnicas à sua
disposição. Fazendo editorialmente um preâmbulo de uma série de artigos sobre
grandes cirurgias em Testemunhas, Harvey17 admitiu o seguinte: “Acho
realmente importunas essas crenças que podem interferir com o meu trabalho.”
Mas acrescentou: “Talvez esqueçamos com muita facilidade que a cirurgia é uma
profissão que depende da técnica de cada indivíduo. A técnica pode ser
melhorada.”
O
Professor Bolooki18 tomou conhecimento de um relato desconcertante
de que um dos mais movimentados hospitais de traumatologia do condado de Dade,
na Flórida, EUA, tinha “como praxe indiscriminada recusar tratar” Testemunhas.
Ele salientou que “a maioria dos casos cirúrgicos desse grupo de pacientes está
associada com menos risco do que comumente”. Acrescentou: “Embora os cirurgiões
talvez achem que estão sendo privados de um instrumento da medicina
moderna…estou convicto de que, operando esses pacientes, aprenderão muito.”
Em
vez de considerar um paciente que é Testemunha como um problema, é cada vez
maior o número de médicos que aceita a situação como um desafio médico. Ao
fazerem face ao desafio, desenvolveram um método de tratamento para esse grupo
de pacientes que é aceito em diversos centros médicos do país [EUA]. Esses
médicos estão dando ao mesmo tempo uma assistência que visa o bem geral do
paciente. Conforme observam Gardner et al:19 “Quem será beneficiado,
se a doença física do paciente for curada, mas sua vida espiritual com Deus, no
conceito dele, ficar comprometida, levando a uma vida sem sentido e talvez pior
do que a própria morte.”
As
Testemunhas reconhecem que, clinicamente, sua firme convicção parece
acrescentar certo grau de risco e pode complicar a assistência recebida.
Concordemente, manifestam em geral apreço incomum pela assistência médica que
recebem. Além de possuírem os elementos vitais de profunda fé e grande desejo
de viver, cooperam com satisfação com os médicos e com a equipe médica. Assim,
tanto o paciente como o médico ficam unidos em enfrentar este desafio sem
precedentes.
AS
TRANSFUSÕES DE SANGUE — QUÃO SEGURAS SÃO?
A pessoa refletiva, antes de submeter-se a qualquer
sério procedimento médico, procurará saber quais são os possíveis benefícios e
os riscos. Que dizer das transfusões de sangue? Elas são agora um dos
instrumentos principais da medicina. Muitos médicos genuinamente interessados
em seus pacientes talvez hesitem muito pouco em ministrar sangue. Ele tem sido
chamado de dádiva da vida.
Milhões de pessoas já doaram sangue ou o aceitaram.
Em 1986-87, o Canadá, com uma população de 25 milhões, teve 1,3 milhão de
doadores. “[No] ano mais recente de que dispomos de estatísticas, de 12 a 14
milhões de unidades de sangue foram usadas em transfusões, apenas nos Estados
Unidos.” — The New York Times, 18 de fevereiro de 1990.
“O sangue sempre tem gozado duma qualidade
‘mágica’”, comenta a Dra. Louise J. Keating. “Nos seus primeiros 46 anos, tanto
os médicos como o público entendiam que o suprimento de sangue era mais seguro
do que realmente era.” (Revista Cleveland Clinic Journal of Medicine, de
maio de 1989) Qual era a situação naquele tempo, e qual é agora?
Mesmo há 30 anos, os patologistas e as equipes dos
bancos de sangue foram aconselhados: “O sangue é como dinamite! Pode trazer
muitos benefícios ou muitos malefícios. A taxa de mortalidade resultante da
transfusão de sangue equivale à da anestesia com éter ou à da apendicectomia.
Diz-se que há aproximadamente uma morte em cada 1.000 a 3.000, ou,
possivelmente, 5.000 transfusões. Na área de Londres, informa-se haver uma
morte para cada 13.000 frascos de sangue transfundido.” — Revista New York
State Journal of Medicine, de 15 de janeiro de 1960.
Será que, desde então, já se eliminaram os riscos, de
modo que as transfusões são atualmente seguras? Francamente, todo ano centenas
de milhares de pessoas apresentam reações adversas ao sangue, e muitas delas
morrem. Em vista dos comentários precedentes, o que talvez lhe venha à mente
são as doenças transmitidas pelo sangue. Antes de examinarmos este aspecto,
considere alguns dos riscos menos conhecidos.
O SANGUE E SUA IMUNIDADE
No começo do século 20, os cientistas aprofundaram
o entendimento do homem sobre a maravilhosa complexidade do sangue. Ficaram
sabendo que existem diferentes tipos sanguíneos. Compatibilizar o sangue do
doador com o sangue do paciente é algo crítico nas transfusões. Se alguém com
sangue do tipo A receber o do tipo B, poderá apresentar grave reação
hemolítica. Esta pode destruir muitas hemácias e matá-lo rapidamente. Ao passo
que a classificação do tipo sanguíneo e os testes de compatibilização são agora
uma rotina, ainda acontecem erros. Anualmente, há pessoas que morrem devido às
reações hemolíticas.
Os fatos mostram que a questão da incompatibilidade
vai muito além dos relativamente poucos tipos sanguíneos que os hospitais
procuram compatibilizar. Por quê? Bem, o Dr. Douglas H. Posey Jr., em seu
artigo “Transfusão de Sangue: Usos, Abusos e Riscos”, declara: “Há cerca de 30
anos, Sampson descreveu a transfusão de sangue como um procedimento
relativamente perigoso…[Desde então] pelo menos 400 antígenos adicionais das
hemácias foram identificados e caracterizados. Não resta dúvida de que tal
número continuará a aumentar, porque a membrana da hemácia é tremendamente
complexa.” — Revista Journal of the National Medical Association, de
julho de 1989.
Há cientistas que estudam atualmente os efeitos do
sangue transfundido sobre o sistema de defesa, ou imunitário, do corpo. O que
poderia isso significar para o leitor, ou para um parente que precise ser
operado?
“Cerca de 1 em cada 100 transfusões é acompanhada
de febre, calafrios ou [urticária]…Cerca de 1 em cada 6.000 transfusões de
hemácias resulta numa reação transfusional hemolítica. Trata-se de grave
reação imunológica que pode ocorrer de forma aguda ou com o lapso de alguns
dias, depois da transfusão; pode resultar em insuficiência [renal] aguda, em
choque, em coagulação intravascular, e até mesmo em morte.” — Conferência
realizada pelos Institutos Nacionais de Saúde (sigla NIH, em inglês), dos
EUA, em 1988.
|
Quando os médicos realizam um transplante de
coração, do fígado, ou de outro órgão, o sistema imunológico do receptor pode
detectar a presença do tecido estranho, e rejeitá-lo. Todavia, uma
transfusão é um transplante de tecido. Mesmo o sangue que tenha sido
“devidamente” compatibilizado pode causar a supressão do sistema imunológico.
Numa conferência de patologistas, destacou-se o ponto que centenas de
comunicados médicos “têm relacionado as transfusões de sangue com as reações
imunológicas”. — Artigo “Aumentam os Argumentos Contra as Transfusões”, revista
Medical World News, de 11 de dezembro de 1989.
Uma das principais tarefas do seu sistema
imunológico é detectar e destruir as células malignas (do câncer). Poderia a
imunidade suprimida levar ao câncer e à morte? Observe dois comunicados.
O periódico Cancer (15 de fevereiro de 1987)
forneceu os resultados dum estudo realizado nos Países-Baixos: “Em pacientes
com câncer do cólon, notou-se significativo efeito adverso da transfusão sobre
a sobrevida a longo termo. Neste grupo havia uma sobrevida cumulativa geral de
5 anos de 48% dos pacientes transfundidos e de 74% para os não-transfundidos.”
Médicos da Universidade do Sul da Califórnia, EUA, fizeram o acompanhamento de
cem pacientes submetidos à cirurgia de câncer. “A taxa de recidiva para todos
os casos de câncer da laringe era de 14% para os que não receberam sangue, e de
65% para os que receberam. Para o câncer na cavidade oral, da faringe, e do
nariz ou sinus, a taxa de recidiva era de 31% sem as transfusões, e de 71% com
as transfusões.” — Annals of Otology, Rhinology & Laryngology (Anais
de Otorrinolaringologia), de março de 1989.
O cientista dinamarquês Niels Jerne foi um dos
agraciados com o Prêmio Nobel de Medicina de 1984. Quando lhe perguntaram por
que ele recusara uma transfusão de sangue, ele disse: “O sangue duma pessoa é
como suas impressões digitais - não existem dois tipos de sangue exatamente
iguais.”
O que tais estudos sugerem sobre as transfusões? O
Dr. John S. Spratt concluiu, em seu artigo “As Transfusões de Sangue e a
Cirurgia do Câncer”: “O cirurgião cancerologista talvez precise tornar-se um
cirurgião que não emprega sangue.” — Revista The American Journal of
Surgery, de setembro de 1986.
Outra tarefa básica do seu sistema imunológico é
defendê-lo das infecções. Assim, é compreensível que alguns estudos mostrem que
os pacientes que recebem sangue são mais propensos à infecção. O Dr. P. I.
Tartter promoveu um estudo de cirurgias colorretais. Dentre os pacientes que
receberam transfusões, 25 por cento contraíram infecções, em comparação com 4
por cento dos que não receberam nenhuma transfusão. Ele comunica: “As
transfusões de sangue estavam ligadas a complicações infecciosas quando
ministradas na fase pré-, intra- ou pós-operatória…O risco duma infecção pós-operatória
aumentava progressivamente conforme o número de unidades de sangue
ministradas.” (Revista The British Journal of Surgery, de agosto de
1988) Os presentes a uma reunião, realizada em 1989, da Associação Americana
dos Bancos de Sangue, ficaram a par do seguinte: Ao passo que 23 por cento dos
que receberam sangue de doadores, durante uma operação de substituição do
quadril, contraíram infecções, os que não receberam sangue algum não
apresentaram nenhuma infecção.
O Dr. John A. Collins escreveu a respeito deste
efeito das transfusões de sangue: “Seria deveras irônico caso se comprovasse
posteriormente que um ‘tratamento’, que dá muito pouca evidência de trazer
qualquer benefício, agravasse ainda mais um dos principais problemas
enfrentados por tais pacientes.” — Revista World Journal of Surgery, de
fevereiro de 1987.
ISENTO DE DOENÇAS OU REPLETO DE
PERIGOS?
Médicos conscienciosos e muitos pacientes estão
preocupados com as doenças veiculadas pelo sangue. Que doenças? Francamente,
não se pode limitá-las a apenas uma; existem deveras muitas.
Depois de considerar as doenças mais conhecidas, o
livro Techniques of Blood Transfusion (Técnicas da Transfusão de Sangue;
1982) considera “outras moléstias infecciosas associadas às transfusões”, tais
como a sífilis, a infecção por citomegalovírus e a malária. Daí, ele diz:
“Várias outras doenças também têm sido comunicadas como sendo transmitidas pela
transfusão de sangue, inclusive infecções com o vírus do herpes, a mononucleose
infecciosa (vírus de Epstein-Barr), a toxoplasmose, a tripanossomíase [doença
do sono africana e a doença de Chagas], a leishmaniose, a brucelose [febre
ondulante], o tifo, a filariose, o sarampo, a salmonelose, e a febre de
carrapatos do Colorado.”
O SANGUE, OS FÍGADOS LESADOS,
E…
“Ironicamente, a AIDS transmitida pelo
sangue…nunca foi uma ameaça tão grande como outras doenças — a hepatite, por
exemplo”, explicou o jornal The Washington Post.
Sim, um grande número de pessoas já ficou muito
doente e morreu devido a esse tipo de hepatite, que não possui um tratamento
específico. De acordo com a revista U.S.News & World Report (1.°
de maio de 1989), cerca de 5 por cento dos que recebem sangue, nos Estados
Unidos, contraem hepatite — 175.000 pessoas por ano. Cerca da metade delas
tornam-se portadores crônicos, e, pelo menos, 1 de cada 5 manifesta a
cirrose hepática, ou o câncer do fígado. Calcula-se que 4.000 delas morrem.
Imagine só quais seriam as manchetes que leria se um jumbo caísse,
matando todas as pessoas a bordo. Mas 4.000 mortes equivalem a um jumbo
lotado que caia todo mês!
Os médicos há muito sabem que uma forma mais
branda de hepatite (tipo A) era transmitida por alimentos ou águas
contaminados. Daí, eles discerniram que uma forma mais grave espalhava-se por
meio do sangue, mas eles não dispunham de nenhum teste para detectá-la no
sangue. Por fim, cientistas brilhantes aprenderam a detectar “pegadas” deste
vírus (tipo B). Já no início da década de 70, alguns países realizavam
testes sanguíneos preventivos. Os estoques de sangue pareciam seguros e o
futuro do sangue parecia brilhante! Mas era mesmo?
Não demorou muito para ficar claro que milhares
que tinham recebido sangue aprovado nesses testes ainda contraíam hepatite.
Muitos, depois de uma doença debilitante, ficaram cônscios de que seus
fígados estavam lesados. Mas, se o sangue tinha sido testado, por que isto
estava acontecendo? O sangue continha outra forma, chamada de hepatite não-A,
não-B (sigla em inglês, NANB). Durante uma década, ela assolou as transfusões
— entre 8 e 17 por cento dos transfundidos na Espanha, nos Estados Unidos, em
Israel, na Itália e na Suécia a contraíram.
Daí surgiram manchetes tais como “Finalmente
Isolado o Misterioso Vírus da Hepatite Não-A, Não-B”; “Acabando com a Febre
no Sangue”. Mais uma vez, a mensagem era: ‘Encontrado o agente fugidio!’ Em
abril de 1989, o público foi informado de que estava então disponível um
teste para a NANB, agora chamada de hepatite C.
Talvez fique imaginando se este alívio é
prematuro. Com efeito, pesquisadores italianos comunicaram ter encontrado
outro vírus da hepatite, um mutante, que poderia ser responsável por um terço
dos casos. “Algumas autoridades”, comentou o boletim Harvard Medical
School Health Letter (de novembro de 1989), “preocupam-se de que o A, o
B, o C, e o D não sejam todo o alfabeto dos vírus da hepatite; ainda podem
aflorar outros”. O jornal The New York Times (13 de fevereiro de 1990)
declarava: “Os peritos têm fortes suspeitas de que outros vírus possam causar
a hepatite; se descobertos, eles serão designados hepatite E, e assim por
diante.”
Vêem-se os bancos de sangue confrontados com
pesquisas mais longas em busca de testes que tornem seguro o sangue? Citando
o problema de custos, um dos diretores da Cruz Vermelha Americana teceu o
seguinte comentário perturbador: “Simplesmente não podemos continuar a
adicionar teste após teste para cada agente infeccioso que poderia ser
disseminado.” — Revista Medical World News, de 8 de maio de 1989.
Mesmo o teste para a hepatite B é falível; muitos
ainda a contraem através do sangue. Ademais, ficarão as pessoas satisfeitas
com o anunciado teste para a hepatite C? A revista The Journal of the
American Medical Association (5 de janeiro de 1990) mostrava que pode
passar um ano antes que os anticorpos da doença sejam detectáveis por meio
desse teste. Neste ínterim, as pessoas que receberem transfusões desse sangue
poderão enfrentar fígados lesados — e a morte.
|
Na realidade, a lista de tais doenças está
aumentando. Talvez tenha lido manchetes tais como: “É a Doença de Lyme
Transmitida por Transfusão? É Improvável, mas os Peritos São Cautelosos.” Quão
seguro é o sangue de alguém que apresente positividade do mal de Lyme?
Perguntou-se a um painel de autoridades sanitárias se eles aceitariam tal
sangue. “Todos responderam que não, embora nenhum deles recomendasse jogar fora
o sangue de tais doadores.” O que deve o público pensar sobre o sangue de
bancos, que nem os próprios peritos aceitariam? — The New York Times, de
18 de julho de 1989.
Um segundo motivo de preocupação é que o sangue
coletado em um país em que prolifere determinada doença pode ser usado em local
bem distante, onde nem o público nem os médicos estão alertas a seus perigos.
Com o aumento das viagens, hoje em dia, inclusive de refugiados e de
imigrantes, aumenta o risco de um produto de sangue conter uma doença estranha.
Ademais, um infectologista avisou: “Os estoques de
sangue talvez precisem ser submetidos a testes de detecção, para impedir a
transmissão de várias moléstias que não eram, anteriormente, consideradas
infecciosas, inclusive a leucemia, o linfoma e a demência [ou mal de
Alzheimer].” — Periódico Transfusion Medicine Reviews, de janeiro de
1989.
Embora tais riscos nos dêem calafrios na espinha,
outros têm gerado muito mais medo.
A PANDEMIA DE AIDS
“A AIDS mudou para sempre o modo de pensar dos
médicos e dos pacientes sobre o sangue. E isso não é má idéia, disseram os
médicos reunidos nos Institutos Nacionais de Saúde [dos EUA], para uma
conferência sobre a transfusão de sangue.” — Jornal The Washington Post,
de 5 de julho de 1988.
A pandemia de AIDS (síndrome de imunodeficiência
adquirida) tem vigorosamente despertado as pessoas para o perigo de contraírem
doenças infecciosas através do sangue. Milhões acham-se agora infectados. Ela
se espalha a ponto de fugir do controle. E sua taxa de mortes é virtualmente de
100 por cento.
A AIDS é causada pelo vírus da imunodeficiência
humana (HIV), que pode ser transmitido pelo sangue. A moderna praga de AIDS
veio a lume em 1981. Já no ano seguinte, peritos sanitários constataram que o
vírus poderia ser transmitido por produtos de sangue. Admite-se atualmente que
a indústria hemoterápica foi muito lenta em sua reação, mesmo depois de
existirem testes que identificavam o sangue que continha anticorpos HIV.
Finalmente começaram, em 1985,* os testes do sangue dos doadores, mas,
mesmo então, não eram aplicados a produtos do sangue já estocados.
A doença de Chagas ilustra como o sangue leva
doenças para pessoas que moram bem longe. A revista The Medical Post
(16 de janeiro de 1990) noticia que ‘10-12 milhões de pessoas na América
Latina padecem de infecção crônica’ dessa doença. Ela tem sido chamada de “um
dos mais importantes riscos transfusionais da América do Sul”. Um “inseto
assassino” pica no rosto uma vítima adormecida, suga seu sangue e defeca na
ferida. A vítima pode ser portadora da doença de Chagas durante muitos anos
(no ínterim, possivelmente doando sangue) antes de manifestar as complicações
cardíacas fatais.
Por que deveria isso preocupar pessoas em
continentes distantes? No The New York Times (23 de maio de 1989), o
Dr. L. K. Altman relatou que tinha pacientes com a doença de Chagas
pós-transfusional, um dos quais morreu. Altman escreveu: “Casos adicionais
podem ter passado despercebidos porque [os médicos aqui] não estão
familiarizados com a doença de Chagas, nem se dão conta de que poderia ser disseminada
por meio de transfusões.” Sim, o sangue pode ser um veículo por meio do qual
as doenças vão bem longe.
|
Depois disso, assegurou-se ao público: ‘Os estoques
de sangue agora são seguros.’ Mais tarde, contudo, revelou-se que existe um
perigoso ‘período de latência’ da AIDS. Depois de uma pessoa ser infectada,
podem decorrer meses até que comece a produzir anticorpos detectáveis.
Tal pessoa, sem se dar conta de que abriga o vírus, poderia doar sangue que
daria resultado negativo nos testes. Isto já tem acontecido. Houve pessoas que
manifestaram a AIDS depois de terem recebido uma transfusão de tal sangue!
VÍRUS DA AIDS
O quadro se tornou ainda mais sombrio. A revista The
New England Journal of Medicine (1.° de junho de 1989) noticiou as
“Silenciosas Infecções com o HIV”. Foi confirmado que pessoas podem abrigar o
vírus da AIDS durante anos, sem este ser detectado pelos atuais testes
indiretos. Alguns gostariam de minimizar tais casos, como sendo raros, mas
estes provam “que os riscos de transmissão da AIDS via sangue e seus
componentes não pode ser totalmente eliminado”. (Periódico Patient Care,
de 30 de novembro de 1989) A conclusão perturbadora é: Um teste negativo não
pode ser entendido como um atestado de boa saúde. Quantos ainda contrairão a
AIDS por meio de sangue?
O PRÓXIMO SAPATO? OU SAPATOS?
Muitos que moram em apartamentos já ouviram a
história, comum na língua inglesa, do tremendo baque causado por um sapato
jogado no chão, no andar de cima; eles talvez tenham ficado tensos ao
aguardarem o segundo ser jogado. No dilema do sangue, ninguém sabe quantos
sapatos mortíferos ainda serão jogados no chão.
O vírus da AIDS foi designado HIV, mas alguns
peritos o chamam agora de HIV-1. Por quê? Porque encontraram outro vírus do
tipo da AIDS (HIV-2). Pode provocar sintomas da AIDS e é bem comum em algumas
localidades. Ademais, “não é detectado de forma consistente pelos testes de
AIDS agora utilizados aqui”, noticia o The New York Times. (27 de junho
de 1989) “As novas descobertas…tornam mais difícil que os bancos de sangue
estejam certos de que uma doação seja segura.”
Ou que dizer dos parentes distantes do vírus da
AIDS? Uma comissão presidencial (dos EUA) disse, sobre um de tais vírus, que
“se cria ser ele a causa da leucemia/linfoma da célula-T em adultos e de uma
grave doença neurológica”. Este vírus já se acha na população dos doadores de
sangue e pode ser espalhado pelo sangue. As pessoas têm o direito de
indagar-se: ‘Quão eficaz é o teste de detecção de tais outros vírus, realizado
pelos bancos de sangue?’
O Dr. Knud Lund-Olesen escreveu: “Visto que…algumas
pessoas dos grupos de alto risco se oferecem como doadores, por serem
submetidas automaticamente a testes de detecção da AIDS, acho que existe motivo
de se relutar em aceitar uma transfusão de sangue. As Testemunhas de Jeová já
recusam isto por muitos anos. Será que elas olhavam para o futuro?” — Ugeskrift
for Læger (Semanário dos Médicos), 26 de setembro de 1988.
Realmente, só o tempo dirá quantos vírus veiculados
pelo sangue espreitam nos estoques de sangue. “O que se desconhece pode dar
mais motivos de preocupação do que o que se conhece”, escreve o Dr. Harold T. Meryman.
“Será difícil relacionar com transfusões os vírus transmissíveis, com muitos
anos de tempo de incubação, sendo ainda mais difíceis de detectar. O grupo HTLV
certamente é apenas o primeiro destes a vir a tona.” (Transfusion Medicine
Reviews, de julho de 1989) “Como se não bastassem os males causados pela
epidemia de AIDS,…vieram à atenção, na década de 80, vários riscos
recém-propostos ou descritos da transfusão. Não é preciso grande imaginação
para predizer que existem outras graves viroses e que elas são transmitidas por
transfusões homólogas.” — Limiting Homologous Exposure: Alternative
Strategies (Limitar a Exposição ao Sangue Homólogo: Estratégias
Alternativas), de 1989.
Foram tantos os “sapatos” já jogados no chão que os
Centros de Controle de Moléstias (CDC), dos EUA, recomendam “precauções
universais”. Isto é, ‘os que trabalham no setor de saúde deviam presumir que
todos os pacientes estão infectados com o HIV e com outras patogenias
veiculadas pelo sangue’. Com bom motivo, os que trabalham no setor de saúde e
os membros do público em geral estão reavaliando seu conceito sobre o sangue.
* Não podemos presumir que todo sangue
esteja mesmo sendo submetido a testes. Por exemplo, relatou-se que, no começo
de 1989, cerca de 80 por cento dos bancos de sangue do Brasil não estavam sob o
controle do Governo, nem estavam submetendo o sangue a testes de detecção da
AIDS.
ALTERNATIVAS
DE QUALIDADE PARA A TRANSFUSÃO
O leitor poderia pensar: ‘As transfusões são
perigosas, mas será que existem alternativas de qualidade?’ É uma boa pergunta,
e observe a palavra “qualidade”.
Todos, inclusive as Testemunhas de Jeová, desejam
um tratamento médico eficaz de alta qualidade. O Dr. Grant E. Steffen comentou
sobre dois elementos-chaves: “Tratamento médico de qualidade é a capacidade de
os elementos desse tratamento alcançarem alvos médicos e não-médicos
legítimos.” (Revista The Journal of the American Medical Association,
1.° de julho de 1988) ‘Alvos não-médicos’ incluiriam não violar a ética ou a
consciência do paciente, baseada na Bíblia. — Atos 15:28, 29.
“Temos de concluir que, atualmente, existem
muitos pacientes que recebem componentes sanguíneos que não têm nenhuma
probabilidade de beneficiar-se duma transfusão (o sangue não é necessário),
e, ademais, correm significativo risco de sofrer efeitos indesejáveis. Nenhum
médico exporia deliberadamente um paciente a uma terapia que não pudesse
beneficiá-lo, mas que talvez o prejudicasse, mas é exatamente isso que ocorre
quando o sangue é transfundido desnecessariamente.” — Transfusion-Transmitted
Viral Diseases (Viroses Transmitidas por Transfusão), de 1987.
|
Existem meios legítimos e eficazes de cuidar de
graves problemas de saúde sem se usar sangue? Felizmente a resposta é sim.
Embora a maioria dos cirurgiões afirme só ter dado
sangue quando isso era absolutamente necessário, diminuiu rapidamente o emprego
de sangue, por parte deles, depois que surgiu a epidemia de AIDS. Um editorial
do periódico Mayo Clinic Proceedings (setembro de 1988) dizia que “um
dos poucos benefícios da epidemia” foi que “resultou em várias estratégias por
parte dos pacientes e dos médicos para evitar a transfusão de sangue”. Um
dirigente de banco de sangue explica: “O que deveras mudou foi a
intensidade da mensagem, a receptividade dos clínicos à mensagem (por causa da
maior percepção dos riscos), e a demanda para que se considerassem as
alternativas.” — Periódico Transfusion Medicine Reviews, de outubro de
1989.
Observe que existem alternativas! Isto se torna
compreensível quando examinamos os motivos pelos quais se transfunde sangue.
A hemoglobina contida nos glóbulos vermelhos
transporta o oxigênio necessário para a boa saúde e a vida. Assim, caso uma
pessoa tenha perdido muito sangue, pareceria lógico apenas repô-lo.
Normalmente, dispõe-se de cerca de 14 ou 15 gramas de hemoglobina em cada 100
centímetros cúbicos de sangue. (Outra forma de medir sua concentração é o
hematócrito, que comumente é de cerca de 45 por cento.) A “regra” aceita era de
transfundir um paciente antes duma operação se sua taxa de hemoglobina fosse
inferior a 10 (ou um hematócrito de 30 por cento). A revista suíça Vox
Sanguinis (março de 1987) noticiou que “65% dos [anestesiologistas] exigiam
que os pacientes tivessem uma taxa pré-operatória de hemoglobina de 10 g/dL
para a cirurgia eletiva”.
Mas, numa conferência sobre a transfusão de sangue,
realizada em 1988, o Professor Howard L. Zauder perguntou: “Como Foi que
Obtivemos um ‘Número Mágico’?” Ele declarou expressamente: “A etiologia dessa
exigência de que o paciente deva ter 10 gramas de hemoglobina (Hgb) antes de
receber anestesia está envolta em tradição, está revestida de obscuridade e não
é comprovada por evidência clínica ou experimental.” Imagine só os muitos
milhares de pacientes submetidos a transfusões que foram motivadas por uma
exigência ‘obscura, não comprovada’!
Alguns talvez fiquem imaginando: ‘Por que será que
um nível 14 de hemoglobina é normal, se a pessoa consegue passar com muito
menos?’ Bem, a pessoa dispõe assim de considerável reserva da capacidade de
transporte de oxigênio, de modo que esteja pronta para algum exercício ou
trabalho pesado. Estudos feitos de pacientes anêmicos até mesmo revelam que “é
difícil detectar um déficit na capacidade de trabalho, com concentrações de
hemoglobina tão baixas quanto 7 g/dL. Outros têm encontrado evidência de apenas
uma moderada redução do desempenho”. — Contemporary Transfusion Practice
(A Prática Transfusional Contemporânea), 1987.
Enquanto que os adultos se ajustam a uma baixa taxa
de hemoglobina, que dizer das crianças? O Dr. James A. Stockman III diz: “Com
poucas exceções, os bebês prematuros apresentarão um declínio da hemoglobina do
primeiro ao terceiro mês…As indicações de transfusão no berçário não estão bem
definidas. Deveras, muitos bebês parecem tolerar níveis notavelmente baixos de
concentração de hemoglobina, sem nenhuma dificuldade clínica aparente.” —
Revista Pediatric Clinics of North America, de fevereiro de 1986.
“Alguns autores declararam que valores tão baixos
da hemoglobina quanto de 2 a 2,5 g/100 ml podem ser aceitáveis.…A pessoa
saudável poderá tolerar uma perda sanguínea de 50 por cento da massa de
glóbulos vermelhos e permanecer quase que inteiramente assintomática, caso a
perda do sangue ocorra por certo período de tempo.” — Techniques of Blood
Transfusion (Técnicas da Transfusão de Sangue), de 1982.
Tais informações não significam que não se precisa
fazer nada quando uma pessoa perde muito sangue num acidente, ou numa operação.
Caso a perda seja rápida e acentuada, cai a pressão arterial da pessoa, e ela
pode entrar em choque. O que se precisa basicamente é que se faça cessar a
hemorragia e se restaure o volume do sistema circulatório. Isso impedirá o
choque e manterá em circulação as restantes hemácias e outros componentes do
sangue.
A reposição do volume do plasma pode ser conseguida
sem se usar sangue total ou plasma sanguíneo.* Diversos líquidos que não contêm sangue
constituem eficazes expansores do volume do plasma. O mais simples de todos é a
solução salina, que é tanto barata como compatível com o nosso sangue. Existem
também líquidos dotados de propriedades especiais, tais como a dextrana, o Haemaccel,
e a solução de lactato de Ringer. A hidroxietila de amido (HES;
amido-hidroxietil) é um mais recente expansor do volume do plasma e “pode ser
seguramente recomendado para aqueles pacientes [queimados], que objetem a
produtos de sangue”. (Journal of Burn Care & Rehabilitation,
janeiro/fevereiro de 1989) Tais líquidos apresentam vantagens definitivas.
“Soluções cristalóides [tais como a solução salina normal e o lactato de
Ringer], o Dextran e o HES são relativamente atóxicos e baratos,
prontamente disponíveis, podem ser estocados à temperatura ambiente, não exigem
testes de compatibilidade e estão isentos do risco de doenças transmitidas pela
transfusão.” — Blood Transfusion Therapy—A Physician’s Handbook (A
Terapia da Transfusão de Sangue — Manual do Médico), de 1989.
Talvez pergunte, porém: ‘Por que funcionam bem os
líquidos de reposição não-sanguíneos, uma vez que eu preciso de glóbulos
vermelhos para fazer com que o oxigênio seja transportado por todo o meu
corpo?’ Conforme mencionado, a pessoa dispõe de reservas para o transporte de
oxigênio. Caso perca sangue, acionam-se maravilhosos mecanismos compensatórios.
Seu coração bombeia mais sangue em cada batimento. Visto que o sangue perdido
foi substituído por um líquido adequado, o sangue agora diluído flui mais
facilmente, mesmo nos pequenos vasos. Em resultado de mudanças químicas, mais
sangue é liberado para os tecidos. Estas adaptações são tão eficazes que, se
somente a metade de suas hemácias permanecerem, o transporte de oxigênio poderá
ser até cerca de 75 por cento do normal. Um paciente em repouso utiliza apenas
25 por cento do oxigênio disponível em seu sangue. E a maioria dos anestésicos
reduz a necessidade de oxigênio do corpo.
COMO PODEM OS MÉDICOS SER DE
AJUDA?
Médicos peritos podem ajudar a pessoa que perdeu
sangue e que, assim, dispõe de menos glóbulos vermelhos. Uma vez restaurado o
volume do plasma, os médicos podem administrar oxigênio em alta concentração.
Isto o torna disponível em maior quantidade para o corpo e, muitas vezes, tem
dado notáveis resultados. Os médicos ingleses usaram isto com uma senhora que
tinha perdido tanto sangue que “sua taxa de hemoglobina caiu para 1,8 g/dL. Ela
foi tratada com êxito…[com] elevada inspiração de oxigênio concentrado e
transfusões de grandes volumes de solução coloidal de gelatina [Haemaccel]”. (Anaesthesia,
de janeiro de 1987) O informe também diz que outros, com perdas agudas de
sangue, foram tratados com êxito em câmaras hiperbáricas (de oxigênio).
O aparelho coração-pulmão tem sido de grande ajuda
em cirurgias de pacientes que não desejam sangue.
Os médicos também podem ajudar seus pacientes a
formar mais glóbulos vermelhos. Como? Por lhes darem concentrados de ferro (no
músculo ou na veia), que podem ajudar o corpo a produzir glóbulos vermelhos
três a quatro vezes mais rápido do que o normal. Recentemente, outra ajuda
tornou-se disponível. Seus rins produzem um hormônio chamado eritropoietina
(EPO), que estimula a medula óssea a produzir hemácias. Acha-se agora
disponível a EPO sintética (recombinante). Os médicos podem ministrá-la a
alguns pacientes anêmicos, ajudando-os assim a produzir mui rapidamente os
glóbulos vermelhos de reposição.
Mesmo no decorrer duma cirurgia, cirurgiões e
anestesiologistas peritos e conscienciosos podem ser de ajuda por empregar
métodos avançados de conservação do sangue. Nunca é demais enfatizar o uso de
técnicas operatórias meticulosas, tais como o bisturi elétrico para minimizar a
hemorragia. Às vezes é possível aspirar e filtrar o sangue que flua em um
ferimento, repondo-o depois em circulação.#
Pacientes num aparelho coração-pulmão, tendo como
volume de escorva um líquido isento de sangue, podem beneficiar-se da
hemodiluição resultante, perdendo menos glóbulos vermelhos.
“Conceitos antigos sobre o transporte de oxigênio
para os tecidos, sobre a cura dos ferimentos e sobre o ‘valor nutritivo’ do
sangue, estão sendo descartados. A experiência com pacientes que são
Testemunhas de Jeová demonstra que a anemia grave é bem-tolerada.” — The
Annals of Thoracic Surgery, de março de 1989.
E existem outros meios de ajudar. Resfriar um
paciente, para reduzir suas necessidades de oxigênio durante a cirurgia. A
anestesia hipotensiva. A terapia para melhorar a coagulação sanguínea. A
desmopressina (sigla em inglês, DDAVP) para abreviar o tempo de sangramento. Os
“bisturis” a laser. Verá essa lista aumentar, à medida que os médicos,
bem como os pacientes preocupados, procuram evitar as transfusões de sangue.
Esperamos que o leitor jamais perca grande quantidade de sangue. Mas, se
perder, é bem provável que médicos peritos consigam cuidar de seu problema sem
usar transfusões de sangue, que apresentam tantos riscos.
CIRURGIA, SIM — MAS SEM
TRANSFUSÕES
Muitas pessoas, hoje em dia, não aceitam sangue.
Por questões de saúde, elas solicitam aquilo que as Testemunhas buscam,
primariamente, por motivos religiosos: cuidados médicos de qualidade que
empreguem tratamentos alternativos sem sangue. Conforme observamos, grandes
cirurgias ainda são possíveis. Se ainda tiver quaisquer dúvidas, outras
evidências disponíveis na literatura médica poderão dissipá-las.
Crianças pequenas também? “Quarenta e oito
operações pediátricas de coração aberto foram realizadas com técnicas que não
utilizavam sangue, apesar de sua complexidade cirúrgica.” Algumas crianças
eram bem pequenas, chegando a pesar somente 4,7 quilos. “Devido ao êxito
contínuo em Testemunhas de Jeová, e ao fato de que transfusões de sangue
envolvem o risco de graves complicações, nós estamos atualmente realizando a
maioria de nossas operações cardíacas pediátricas sem transfusões.” — Circulation,
de setembro de 1984.
|
O artigo “Grande Substituição Quádrupla da
Articulação em Membro das Testemunhas de Jeová” (Orthopaedic Review,
agosto de 1986) falou de um paciente anêmico em “adiantado estado de
degeneração, tanto dos joelhos como dos quadris”. Utilizou-se a dextrana
ferrosa antes e depois da cirurgia, feita por etapas, que teve êxito. A revista
British Journal of Anaesthesia (1982) noticiou a respeito duma
Testemunha de 52 anos, com taxa de hemoglobina inferior a 10. Empregando-se a
anestesia hipotensiva para minimizar a perda de sangue, ela recebeu uma prótese
total do quadril e do ombro. Uma equipe cirúrgica da Universidade de Arkansas
(EUA) também empregou esse método em cem substituições do quadril de
Testemunhas e todos os pacientes se recuperaram. O professor que dirige esse
departamento comenta: “O que aprendemos destes pacientes (Testemunhas), empregamos
agora em todos os nossos pacientes em que fazemos a prótese total do quadril.”
A consciência de algumas Testemunhas lhes permite
aceitar transplantes de órgãos, se isso for feito sem sangue. Um informe sobre
13 transplantes de rins concluía: “Os resultados gerais sugerem que o
transplante renal pode ser aplicado, segura e eficazmente, à maioria das
Testemunhas de Jeová.” (Transplantation, junho de 1988) Igualmente, a
recusa de tomar sangue não serviu de empecilho até mesmo para bem-sucedidos
transplantes de coração.
‘Que dizer da cirurgia sem sangue, de outros
tipos?’, talvez se pergunte. O boletim Medical Hotline (abril/maio de
1983) mencionava a cirurgia feita em “Testemunhas de Jeová que foram submetidas
a grandes operações ginecológicas e obstétricas sem transfusões de sangue”. O
boletim informava: “Não houve maior número de óbitos e de complicações do que
no caso de mulheres submetidas a operações similares, com transfusões de
sangue.” Daí, o boletim comentou: “Os resultados deste estudo podem justificar
novo enfoque sobre o uso de sangue para todas as mulheres submetidas a
operações obstétricas e ginecológicas.”
No hospital da Universidade de Göttingen
(Alemanha), 30 pacientes que rejeitaram sangue foram submetidos à cirurgia
geral. “Não surgiu nenhuma complicação que não pudesse ter surgido no caso de
pacientes que aceitam transfusões de sangue.…Não se deve superestimar que o
recurso a uma transfusão não é possível, e isso não deveria levar à recusa de
realizar uma operação que seja necessária e cirurgicamente justificável.” — Risiko
in der Chirurgie (Risco na Cirurgia), 1987.
Mesmo a neurocirurgia (operação do cérebro) sem o
emprego de sangue tem sido realizada em numerosos adultos e crianças, por
exemplo, no Centro Médico da Universidade de Nova Iorque, EUA. Em 1989, o Dr.
Joseph Ransohoff, chefe do departamento de neurocirurgia, escreveu: “Está bem
claro que, na maioria dos casos, evitar produtos que contenham sangue pode ser
conseguido com um risco mínimo para os pacientes que têm princípios religiosos
contra o uso de tais produtos, especialmente se a cirurgia puder ser realizada
de forma expedita e com tempo operatório relativamente curto. De considerável
interesse é o fato de que eu muitas vezes esqueço que o paciente é Testemunha
até a hora de lhe dar alta hospitalar, quando eles me agradecem por eu ter
respeitado suas crenças religiosas.”
Por fim, podem complicadas cirurgias
cardiovasculares ser realizadas, sem sangue, em adultos e em crianças? O Dr.
Denton A. Cooley foi um dos pioneiros a fazer exatamente isso. Como pode ver no
artigo médico cuja tradução acha-se reimpressa no Apêndice, nas páginas 27-9,
com base em anterior análise, a conclusão do Dr. Cooley foi de “que o risco da
cirurgia em pacientes do grupo das Testemunhas de Jeová não tem sido
significativamente maior do que no caso de outros”. Atualmente, depois de
realizar 1.106 de tais operações, ele escreve: “Em cada caso, mantenho o acordo
ou contrato feito com o paciente”, isto é, de não usar sangue algum.
Os cirurgiões têm observado que a boa atitude é
outro fator evidenciado pelas Testemunhas de Jeová. “A atitude destes pacientes
tem sido exemplar”, escreveu o Dr. Cooley em outubro de 1989. “Eles não têm o
medo de complicações, nem mesmo da morte, como a maioria dos pacientes. Têm
profunda e duradoura fé em sua crença, e em seu Deus.”
Isto não significa que desejam asseverar o direito
de morrer. Buscam ativamente cuidados médicos de qualidade, porque desejam
ficar bons. Estão convictos de que é sábio obedecer à lei de Deus sobre o
sangue, conceito este que exerce uma influência positiva na cirurgia que não
utiliza sangue.
O Professor Dr. V. Schlosser, do hospital-cirúrgico
da Universidade de Freiburg (Alemanha), comentou: “Entre este grupo de
pacientes, a incidência de hemorragia no período perioperatório (“em torno de”)
não era maior; as complicações, se é que fazia diferença, eram menos comuns. O
conceito especial sobre as doenças, típico das Testemunhas de Jeová, exercia
uma influência positiva no processo perioperatório.” — Revista Herz
Kreislauf, de agosto de 1987.
* As Testemunhas de Jeová não aceitam
transfusões de sangue total, de hemácias, de leucócitos, de plaquetas ou de
plasma sanguíneo. Quanto a frações menores, tais como de imunoglobulinas, veja A
Sentinela de 1.° junho de 1990, páginas 30-1.
# A Sentinela de 1.° de março de
1989, páginas 30-1, considera os princípios bíblicos que têm que ver com os
métodos de recuperar sangue e com os equipamentos de circulação do sangue
(extracorpórea).
EXPERIÊNCIAS
REAIS ENTRE AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E A QUESTÃO DE SANGUE: REPORTAGEM DO GLOBO
REPÓRTER
Um caso clássico é o das Testemunhas de Jeová. Todo
mundo sabe que eles não aceitam cirurgia com transfusão de sangue, por uma
interpretação do que está na Bíblia. A equipe do Globo Repórter pretendia
mostrar isso no programa, como um exemplo de fé que atrapalha o tratamento de
saúde… Mas será que é simples assim?
Nos Estados Unidos – e também no Brasil – muitos
médicos têm uma visão diferente: aceitam os limites impostos pela religião e
vão buscar técnicas alternativas para evitar transfusões. Essa visão nova
permitiu à Gabriela reconquistar a energia, que agora ela esbanja nas
brincadeiras.
“Era uma criança de lábios e unhas bem roxinhos.
Uma aparência sempre bem abatida”, conta Ruth, mãe de Gabriela. A menina nasceu
com um problema sério no coração e precisava de, pelo menos, duas cirurgias –
uma delas antes de completar um ano. O problema: a mãe é Testemunha de Jeová.
“Não faria transfusão de sangue de jeito nenhum.
Primeiro porque eu ajo de encontro com os meus princípios. Em segundo lugar,
existem riscos de outras doenças com a transfusão. Eu tinha certeza que eu
encontraria uma equipe disposta a operar a Gabriela”, afirma a dona de casa Ruth
de Camargo.
E ela encontrou! Na cirurgia de Gabriela foi usada
uma máquina que permite reaproveitar o sangue do próprio paciente. “É o
aparelho que faz a função do coração e dos pulmões durante a cirurgia
cardíaca”, explica o cirurgião cardíaco Walter Gomes.
É um recurso a mais, que pode ser posto a serviço
das Testemunhas de Jeová. O doutor Walter é professor da Universidade Federal
de São Paulo e há três anos utiliza outras técnicas que possibilitam cirurgias
delicadas, sem transfusão de sangue. Ele começou a fazer isso a pedido dos
religiosos.
“O tratamento dos pacientes Testemunhas de Jeová
ajudava a beneficiar outros pacientes, porque, com essa experiência, nós
estamos evitando a transfusão sangüínea em outros pacientes, e,
conseqüentemente minimizando riscos”, declara Walter Gomes.
O primeiro passo é acabar com os sangramentos
desnecessários. Isso é possível com o bisturi elétrico, que cauteriza, ao mesmo
tempo em que corta. Outra técnica é dar para o paciente, antes da cirurgia, um
hormônio que estimula a produção de glóbulos vermelhos. É uma forma de combater
anemias
“Mesmo se ele tiver uma perda durante a cirurgia,
ele já está preparado para recuperar. O paciente vai para a cirurgia com uma
quantidade maior de sangue, fabricado por ele mesmo”, observa o cirurgião
Walter Gomes.
Gabriela foi operada por uma outra equipe,
comandada pela doutora Luciana da Fonseca – que segue a mesma linha. “É uma
satisfação muito grande, porque, na verdade, eu cumpri o meu objetivo, que foi
agradar e respeitar um direito do paciente”, constata a cirurgia cardíaca.
Quando se encontra o equilíbrio entre medicina e
fé, quem ganha é o paciente. “Agora estou correndo, brincando, pulando…”, diz
Gabriela.
“Se houver algum acontecimento catastrófico em que
o paciente realmente precise de transfusão de sangue vai ser um dilema de
consciência. O paciente religioso pede para não tomar a transfusão e eu espero
nunca ter que passar por essa decisão”, comenta Walter Gomes
As convicções religiosas do ser humano são
influenciadas por sua relação com Deus e com outras pessoas. Quando o enfermo
discorda do curso de tratamento, pode haver o conflito ético e moral. Porém, o
respeito pelo médico as convicções religiosas do paciente, equivale respeitar a
autonomia e autodeterminação individual, que se fundamenta no principio da dignidade da natureza humana. O caso das
Testemunhas de Jeová ilustra a aplicação destes princípios.
* Paulo, em Atos 17:25, 28, Tradução do Novo Mundo das
Escrituras Sagradas.
# Similares proibições foram
posteriormente incluídas no Qur´_an.
ANEXO: RESOLUÇÃO
CFM nº 1.021/80
O
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, usando da atribuição que lhe confere a Lei nº
3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19
de julho de 1958, e
CONSIDERANDO
o disposto no artigo 153, parágrafo 2º da Constituição Federal; no artigo 146 e
seu parágrafo 3º, inciso I e II do Código Penal; e nos artigos 1º, 30 e 49 do
Código de Ética Médica;
CONSIDERANDO
o caso de paciente que, por motivos diversos, inclusive os de ordem religiosa,
recusam a transfusão de sangue;
CONSIDERANDO
finalmente o decidido em sessão plenária deste Conselho realizada no dia 26 de
setembro de 1980,
RESOLVE:
Adotar
os fundamentos do anexo PARECER, como interpretação autêntica dos dispositivos
deontológicos referentes a recusa em permitir a transfusão de sangue, em casos
de iminente perigo de vida.
Rio
de Janeiro, 26 de setembro de 1980.
GUARACIABA
QUARESMA GAMA
Presidente
em Exercício
JOSÉ
LUIZ GUIMARÃES SANTOS
Secretário-Geral
Publicada
no D.O.U.(Seção I - Parte II) de 22/10/80
PARECER
PROC. CFM nº 21/80
O
problema criado, para o médico, pela recusa dos adeptos da Testemunha de Jeová
em permitir a transfusão sangüínea, deverá ser encarada sob duas
circunstâncias:
1
- A transfusão de sangue teria precisa indicação e seria a terapêutica mais
rápida e segura para a melhora ou cura do paciente. Não haveria, contudo,
qualquer perigo imediato para a vida do paciente se ela deixasse de ser
praticada. Nessas condições, deveria o médico atender ao pedido de seu
paciente, abstendo-se de realizar a transfusão de sangue.
Não
poderá o médico proceder de modo contrário, pois tal lhe é vedado pelo disposto
no artigo 32, letra "f" do Código de Ética Médica:
"Não
é permitido ao médico:
f)
exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente resolver
sobre sua pessoa e seu bem-estar".
2
- O paciente se encontra em iminente perigo de vida e a transfusão de sangue é
a terapêutica indispensável para salvá-lo. Em tais condições, não deverá o
médico deixar de praticá-la apesar da oposição do paciente ou de seus
responsáveis em permiti-la. O médico deverá sempre orientar sua conduta
profissional pelas determinações de seu Código. No caso, o Código de Ética
Médica assim prescreve:
"Artigo
1º - A medicina é uma profissão que tem por fim cuidar da saúde do homem, sem
preocupações de ordem religiosa..."
"Artigo
30 - O alvo de toda a atenção do médico é o doente, em benefício do qual deverá
agir com o máximo de zêlo e melhor de sua capacidade profissional".
"Artigo 19 - O médico, salvo o caso de "iminente perigo de
vida", não praticará intervenção cirúrgica sem o prévio consentimento
tácito ou explícito do paciente e, tratando-se de menor incapaz, de seu
representante legal".
Por
outro lado, ao praticar a transfusão de sangue, na circunstância em causa, não
estará o médico violando o direito do paciente.
Realmente,
a Constituição Federal determina em seu artigo 153, Parágrafo 2º que
"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude da lei".
Aquele
que violar esse direito cairá nas sanções do Código Penal quando este trata dos
crimes contra a liberdade pessoal e em seu artigo 146 preconiza:
"Constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido,
por qualquer meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei
permite, ou a fazer o que ela não manda".
Contudo,
o próprio Código Penal no parágrafo 3º desse mesmo artigo 146, declara:
"Não
se compreendem na disposição deste artigo:
I
- a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de seu
representante legal, se justificada por iminente perigo de vida". A recusa
do paciente em receber a transfusão sangüínea, salvadora de sua vida, poderia,
ainda, ser encarada como suicídio. Nesse caso, o médico, ao aplicar a
transfusão, não estaria violando a liberdade pessoal, pois o mesmo parágrafo 3º
do artigo 146, agora no inciso II, dispõe que não se compreende, também, nas
determinações deste artigo: "a coação exercida para impedir o
suicídio".
CONCLUSÃO
Em
caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a
seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta:
1º
- Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do
paciente ou de seus responsáveis.
2º
- Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue,
independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis.
Dr.
TELMO REIS FERREIRA
Relator
Tradução da reimpressão, feita com a devida permissão, da revista New
York State Journal of Medicine, 1988; 88:463-464, copyright da
Sociedade Médica do Estado de Nova Iorque, EUA.
Tradução da reimpressão, feita com a devida permissão
da Associação Médica Americana, da revista The Journal of the American
Medical Association (JAMA), de 27 de novembro de 1981, Volume
246, N.° 21, páginas 2471, 2472. Copyright 1981, da Associação Médica
Americana.
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