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“Testemunhas de Jeová”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Autoria:
1.
Luciano
de Andrade Silva, TSA. Co-intrutor do CET/SBA do
Instituto Penido Burnier e Centro Médico de Campinas, SP;
2.
Daniel
de Carli, TSA. Anestesiologista do Hospital
Paulo Sacramento de Jundiai; Professor Colaborador da Disciplina de
Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Jundiai, SP;
3.
Luiz
Marciano Cangiani, TSA. Co-responsável pelo CET/SBA,
Chefe do Deptº de Anestesiologia do Centro Médico de Campinas;
4.
José
Bonifácio Mendes Gonçalves Filho. Anestesiologista
do Hospital Paulo Sacramento de Jundiai, SP;
5.
Iara
Ferreira da Silva. ME2 do CET/SBA
Instituto Penido Burnier e Centro Médico de Campinas, SP
RESUMO GERAL
1. JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS
Existem relatos do emprego do tampão sangüíneo
peridural em pacientes Testemunhas de Jeová, utilizando-se um sistema fechado
que permite a colheita do sangue e a injeção no espaço peridural, sem perda da
continuidade. O objetivo deste relato é apresentar dois casos de pacientes
Testemunhas de Jeová que apresentaram cefaléia após anestesia subaracnóidea e
que foram tratados com tampão sangüíneo peridural com um sistema fechado de
transfusão do sangue venoso para o espaço peridural. Os casos ocorreram em
hospitais de duas cidades diferentes.
2. RELATO DOS CASOS
Um paciente do sexo masculino, com 21 anos, e uma
paciente do sexo feminino, com 32 anos, apresentaram cefaléia
pós-raquianestesia para cirurgia ambulatorial. Como os pacientes eram
Testemunhas de Jeová, o tampão sangüíneo foi realizado com um sistema fechado.
O sistema foi preparado em condições estéreis, utilizando-se os seguintes
materiais: dois equipos de soro cortados em segmentos de 60 cm, uma conexão de
duas vias, uma torneira de três vias e uma seringa de 20 ml. O sistema foi
montado de modo a permitir uma conexão com a agulha da venopunção (20G), uma
conexão à torneira de três vias, sendo que às outras duas vias foram conectados
uma seringa de 20 ml e o outro segmento do equipo de soro, que seria conectado
à agulha de peridural. Com os pacientes posicionados em decúbito lateral
esquerdo foi feita a anti-sepsia da região lombar e do membro superior direito
na região escolhida para a venopunção. Inicialmente foi feita punção peridural
no espaço L2-L3, com agulha 17G, sendo que a mesma foi
mantida fixa e o equipo de soro a ela conectado. A seguir foi feita venopunção
com a agulha conectada à outra extremidade do equipo de soro com o direcionamento
da torneira de três vias no sentido da veia para a seringa. Foram aspirados 15
ml de sangue. Com o redirecionamento da torneira no sentido da seringa para a
agulha de peridural foram injetados os 15 ml de sangue.
3. CONCLUSÕES
Em pacientes Testemunhas de Jeová, refratários ao
tratamento clínico, a injeção de sangue autólogo poderá ser feita com a técnica
apresentada, após a devida informação ao paciente e o seu consentimento.
Unitermos: COMPLICAÇÕES: cefaléia; TERAPÊUTICA: tampão
sangüíneo peridural; TRANSFUSÃO: testemunha de Jeová
INTRODUÇÃO
Com o advento das agulhas de fino calibre para
anestesia subaracnóidea, diminuiu muito a incidência de cefaléia pós-punção da
duramáter 1, permitindo inclusive que a técnica seja indicada para
pacientes ambulatoriais 1,2. No entanto, a complicação ainda ocorre,
podendo a mesma ser intensa e incapacitante. Nesses casos as medidas
convencionais como repouso no leito, hidratação, administração de
antiinflamatórios e analgésicos podem não apresentar resultados satisfatórios,
fazendo com que a opção pelo tampão sangüíneo peridural seja cogitada 1.
O método tem mostrado eficácia que, segundo alguns autores, pode chegar a 98% 1.
Na literatura nacional, um estudo mostrou a eficácia do método em 60
parturientes que apresentaram cefaléia pós-raquianestesia (agulha 7 - 21G),
cujo tratamento foi feito com tampão sangüíneo peridural (10 ml) com remissão
dos sintomas em todas elas 3.
É sabido que os pacientes Testemunhas de Jeová, por
princípios de interpretação bíblicas, não permitem nem a transfusão sangüínea
autóloga, considerando que o sangue retirado do corpo não pode ser devolvido ao
mesmo devido à perda da continuidade 4,5. No entanto, algumas
medidas têm sido aceitas como autotransfusão (cell saver) e a hemodiluição
normovolêmica aguda, desde que não haja desconexão do sangue retirado com o
acesso venoso do paciente 4.
Existem relatos do emprego do tampão sangüíneo
peridural em pacientes Testemunhas de Jeová, utilizando-se um sistema fechado
que permite a colheita do sangue e a injeção no espaço peridural, sem perda da
continuidade 6-8.
O objetivo deste relato é apresentar dois casos de
pacientes Testemunhas de Jeová que apresentaram cefaléia após anestesia subaracnóidea
e que foram tratados com tampão sangüíneo peridural com um sistema fechado de
transfusão do sangue venoso para o espaço peridural. Os casos ocorreram em
hospitais de duas cidades diferentes.
RELATO DOS CASOS
Caso 1 - Paciente Testemunha de Jeová, com 21 anos, do
sexo masculino, estado físico ASA I, foi admitido no centro cirúrgico para
exérese de cisto sacrococcígeo, em regime ambulatorial. Após venóclise com
cateter 20 G, foi feita sedação com fentanil e midazolam, por via venosa, o
paciente foi posicionado em decúbito lateral esquerdo para punção subaracnóidea
que foi realizada no espaço L2-L3, com punção única, com
agulha 27G, sem intercorrências. O anestésico utilizado foi bupivacaína a 0,5%
(15 mg) hiperbárica. A cirurgia transcorreu sem intercorrências.
Quarenta e oito horas após o procedimento
anestésico-cirúrgico, o paciente procurou o Serviço de Anestesiologia com
queixa de cefaléia há 24 horas. A dor era de forte intensidade, incapacitante,
localizava-se nas regiões occipital e frontal, intensificando-se na posição
ortostática. Em decúbito dorsal ocorria alívio parcial da dor. Estava em uso de
dipirona, por via oral, sem melhora dos sintomas. Não apresentava queixas
associadas.
Foi feito o diagnóstico de cefaléia pós-punção da
duramáter e foi proposta internação e tratamento com repouso no leito,
analgésico (dipirona), antiinflamatório (cetoprofeno), hidratação por via
venosa e injeção peridural de solução fisiológica (40 ml), que foi realizada no
espaço L2-L3 com agulha 17G. No entanto, 24 horas após, a
cefaléia continuou intensa com o paciente em posição ortostática. Assim sendo,
foi proposto e explicado ao paciente que a injeção de sangue no espaço
peridural poderia ser feita com um sistema fechado, sem haver perda da
continuidade entre a aspiração do sangue venoso e a injeção no espaço
peridural. Nessas condições, o paciente e seu acompanhante autorizaram a
realização do tampão sangüíneo.
O sistema foi preparado em condições estéreis,
utilizando-se os seguintes materiais: dois equipos de soro cortados em
segmentos de 60 cm, uma conexão de duas vias, uma torneira de três vias e uma
seringa de 20 ml. O sistema foi montado de modo a permitir uma conexão com a
agulha da venopunção (20G), uma conexão à torneira de três vias, sendo que às outras
duas vias foram conectados uma seringa de 20 ml e o outro segmento do equipo de
soro, que seria conectado à agulha de peridural.
Após monitorização com cardioscópio, oxímetro de
pulso e aparelho para medida da pressão arterial pelo método não invasivo, o
paciente foi posicionado em decúbito lateral esquerdo e foi feita a anti-sepsia
da região lombar e do membro superior direito na região escolhida para a
venopunção .
Inicialmente foi feita punção peridural no espaço L2-L3,
por via mediana, com agulha 17G, após infiltração local com lidocaína a 2%.
Após identificado o espaço peridural, pela técnica
da perda da resistência à injeção de ar, a agulha foi mantida fixa e o equipo
de soro foi a ela conectado. A seguir foi feita venopunção com a agulha
conectada à outra extremidade do equipo de soro com o direcionamento da
torneira de três vias no sentido da veia para a seringa. Foram aspirados 15 ml
de sangue. Com o redirecionamento da torneira no sentido da seringa para a
agulha de peridural foram injetados os 15 ml de sangue. A seguir foram
retirados o sistema utilizado e a agulha de peridural. A venóclise foi mantida
com solução de Ringer com lactato (500 ml). O paciente permaneceu em repouso
por 4 horas e, após deambular sem queixa de cefaléia, recebeu alta com a
recomendação para que procurasse o Serviço de Anestesiologia se houvesse
recidiva do quadro clínico.
Caso 2 - Paciente do sexo feminino, 32 anos, 1,63 m, 60
kg, estado físico ASA I, Testemunha de Jeová, foi submetida a tratamento
cirúrgico de varizes bilateral sob anestesia subaracnóidea com bupivacaína a
0,5% (15 mg) hiperbárica cuja punção foi realizada por via mediana, no espaço L3-L4,
com a paciente sentada, utilizando-se agulha 27G de Quincke, sem
intercorrências. Recebeu alta hospitalar 8 horas após o término da cirurgia sem
queixas.
Após 24 horas a paciente começou a apresentar
cefaléia fronto-occiptal contínua, incapacitante, de forte intensidade ao
sentar-se ou levantar-se, tendo como fator de melhora a posição supina, sem
outras queixas associadas como náuseas, vômitos ou distúrbios auditivos ou
visuais. Procurou o Serviço de Anestesiologia e ao exame físico não apresentava
sinais de irritação meníngea, sendo diagnosticada cefaléia pós-punção da
duramáter. Optou-se pelo tratamento clínico sendo administrados 1000 ml de
solução de Ringer com lactato, cetoprofeno (100 mg) e dipirona sódica (2 g)
todos por via venosa. A paciente permaneceu em repouso no leito e foi orientada
para ingerir bastante líquido. Foi prescrita dipirona sódica (500 mg) por via
oral cada 6 horas. O tratamento foi repetido no dia seguinte (48 horas) e como
não houve melhora da cefaléia, optou-se pela realização do tampão sangüíneo
peridural com sangue autólogo.
Ao ser informada sobre o tratamento, a paciente
optou por consultar sua liderança religiosa que, após a explicação da equipe
médica, consentiu na realização do procedimento. Após autorização da paciente
para o procedimento, para documentação fotográfica e para publicação do caso,
foi obtida autorização da Comissão de Ética Médica.
Antes da realização do tampão sangüíneo, foi
preparado um material para que houvesse a retirada do sangue venoso do membro
superior esquerdo e sua infusão no espaço peridural sem que houvesse perda da
continuidade. O sistema é semelhante ao utilizado no caso nº 1, sendo que o
mesmo foi preenchido com solução fisiológica (6 ml).
No centro cirúrgico, após monitorização com
eletrocardioscópio e oximetria de pulso, realizou-se assepsia da região lombar
e do membro superior esquerdo (após garroteamento e localização do acesso
venoso). Após infiltração local com lidocaína a 2%, procedeu-se à punção
peridural em L3-L4 por via mediana com agulha 17G
descartável de Weiss, sem intercorrências, seguida de punção venosa com cateter
sobre agulha 20G e conexão do sistema já descrito ao cateter venoso e à agulha
peridural. Ocluindo-se a via da agulha peridural através da movimentação da
torneira de conexão de 3 vias, obteve-se a aspiração do sangue do cateter
venoso para a seringa num total de 20 ml, quando se ocluiu a via do cateter
venoso. Posteriormente, abriu-se a via da agulha peridural, o conteúdo da
seringa foi injetado no espaço peridural. Após a retirada da agulha de
peridural e do sistema utilizado, o acesso venoso foi mantido com solução de
Ringer com lactato (1000 ml) adicionada de cetoprofeno (100 mg) e dipirona
sódica (2 g).
A paciente permaneceu em repouso por 2 horas e,
após deambular sem queixas de cefaléia, recebeu alta hospitalar, com
recomendações para retornar ao hospital caso ocorresse recidiva do quadro
clínico.
DISCUSSÃO
Os dois casos apresentados mostraram que é possível
realizar o tampão sangüíneo peridural em pacientes Testemunha de Jeová, desde
que o sistema utilizado permita continuidade entre a venopunção, a colheita e a
injeção peridural.
A realização do tampão sangüíneo peridural foi
sugerida aos pacientes, baseada em publicações em que os autores utilizaram
sistema fechado para injeção de sangue autólogo no espaço peridural e foram bem
aceitas pelos pacientes 6,7. Entretanto, é fato comum que sua
realização só é permitida após detalhada explicação e consulta do paciente a
uma liderança religiosa. Assim, é necessário obter autorização formal para a
realização do procedimento. Entendemos que a indicação da anestesia
subaracnóidea em pacientes Testemunha de Jeová, especialmente em regime
ambulatorial, deve ser muito criteriosa. Quando a anestesia subaracnóidea
estiver indicada, na visita pré-anestésica deve-se antever dificuldades da
aceitação do paciente, para uma possível indicação de tampão sangüíneo
peridural em decorrência de uma cefaléia incapacitante, que não melhore com o
tratamento convencional.
É necessário ressaltar que a continuidade do
sistema é o ponto ético fundamental. Assim sendo, se houver alguma desconexão
acidental, o procedimento deve ser reiniciado com equipamento novo.
Os sistemas utilizados nos dois casos foram
semelhantes. A única diferença é que no caso 2 o equipo de soro foi preenchido
com 6 ml de solução fisiológica, que diluiu o sangue injetado sem entretanto
influenciar no resultado.
No caso 1 foi observado um período de repouso de 4
horas após a realização do tampão sangüíneo peridural. A conduta foi baseada
numa publicação em que os autores conseguiram 100% de sucesso em 60 casos
consecutivos, de gestantes que apresentaram cefaléia pós-raquianestesia,
tratadas com tampão sangüíneo peridural e que permaneceram 4 horas em repouso 3.
No entanto, no caso 2 o fato de observar repouso de apenas 2 horas não
influenciou o resultado. A evolução também foi muito boa com remissão da
cefaléia.
Quando há ocorrência de cefaléia, é importante
seguir os passos do tratamento, utilizando todos os meios terapêuticos
disponíveis, deixando o tampão sangüíneo peridural para os casos refratários.
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