Blog Testemunhas de Jeová, de autoria de
Superdotado Álaze Gabriel.
Autoria:
José Roberto Goldim.
INTRODUÇÃO
Alegar um
impedimento religioso para a realização de um ato médico é bastante mais
frequente do que se imagina. Muitas vezes os pacientes ou seus familiares ficam
constrangidos de utilizarem um referencial religioso para orientar a sua tomada
de decisão. Algumas denominações religiosas, como, por exemplo, Ciência Cristã
e Testemunhas de Jeová, são conhecidas por seus seguidores imporem restrições
desta ordem a algumas formas de tratamento.
A
questão que envolve a indicação médica de transfusão de sangue em pacientes
Testemunha de Jeová é das mais polêmicas e conhecidas. Esta situação envolve um
confronto entre um dado objetivo com uma crença, entre um benefício médico e o
exercício da autonomia do
paciente. Esta situação pode configurar o que hoje é denominado de Não-Consentimento Informado.
A
base religiosa que os Testemunhas de Jeová alegam para não permitirem ser
transfundidos é obtida em alguns textos contidos na Bíblia.
No
livro do Gênesis (9:3-4) está escrito:
"Todo
animal movente que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no caso da
vegetação verde, deveras vos dou tudo. Somente a carne com sua alma - seu
sangue - não deveis comer."
No Levítico
(17:10) existe outra restrição semelhante:
"Quanto
qualquer homem da casa de Israel ou algum residente forasteiro que reside no
vosso meio, que comer qualquer espécie de sangue, eu certamente porei minha
face contra a alma que comer o sangue, e deveras o deceparei dentre seu
povo."
Existe mais
uma citação, ainda neste mesmo sentido nos Atos dos Apóstolos (15:19-21).
Já
existe uma farta
bibliografia a respeito desta questão. A maioria divide-a em duas
abordagens básicas: o paciente
capaz de decidir moral e legalmente e o paciente incapaz.
O
paciente reconhecidamente capaz deve poder exercer a sua autonomia plenamente.
Este posicionamento foi utilizado pelo Prof. Diego Gracia, da Universidade
Complutense de Madrid/Espanha. O Prof. Gracia utiliza esta situação como
paradigmática no exercício da autonomia do indivíduo frente a pressões sociais.
O Prof. Dunn ressalta que esta é uma posição corajosa, mesmo que questionável
por outras pessoas que não compartilham desta crença.
Para
alguns autores, como Genival Veloso de França este posicionamento só é válido
enquanto não houver risco de morte iminente associado ao estado do paciente.
Nesta situação o médico estaria autorizado a transfundir o paciente, mesmo
contra a sua vontade, com base no princípio da Beneficência. O argumento
utilizado é o de que a vida é um bem maior, tornando a realização do ato médico
um dever prima facie,
sobrepujando-se ao anterior que era o de respeitar a autonomia. Este
posicionamento tem respaldo, inclusive no Código de Ética Médica.
Artigo 46 -
(É vedado ao médico) efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento
e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em
iminente risco de vida.
Artigo 56 -
(É vedado ao médico) desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente
sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo e, caso de
iminente risco de vida.
O Conselho
Federal de Medicina se manifestou, em 26 de setembro de 1980, através de uma resolução no. 1021,
especificamente sobre a questão da transfusão de sangue em Testemunhas de
Jeová.
A
Constituição Brasileira de 1988 propõe a liberdade de crença para todo cidadão.
Quando a situação envolve menores de idade ou outros pacientes tidos como
incapazes, como por exemplo uma pessoa acidentada inconsciente, a questão ganha
outras conotações, pois o papel de proteger o paciente, apesar da vontade
expressa de seus responsáveis legais pode ser ampliado. A questão que pode ser
levantada no caso de adolescentes é até que ponto eles não podem ser
equiparados, desde o ponto de vista estritamente moral, aos adultos, quanto a
sua opção religiosa. O Estatuto
da Criança e do Adolescente, em seu artigo 17, lhes dá o direito de
exercerem sua liberdade de culto, garantindo igualmente o respeito a esta
manifestação. Este mesmo Estatuto permite que, em caso de adoção, o menor com doze ou mais anos
possa também se manifestar. Por que este consentimento também não
pode ser ampliado para esta questão? Muitas vezes as equipes de saúde solicitam
à Procuradoria da Infância e Adolescência que busque autorização judicial para
a realização do procedimento, através da suspensão temporária do pátrio poder.
A
restrição à realização de transfusões de sangue pode gerar no médico uma
dificuldade em manter o vínculo adequado com o seu paciente. Ambos tem
diferentes perspectivas sobre qual a melhor decisão a ser tomada,
caracterizando um conflito entre a autonomia do médico e a do paciente. Uma
possível alternativa de resolução deste conflito moral é a de transferir o
cuidado do paciente para um médico que respeite esta restrição de procedimento.
Os
seguidores desta denominação religiosa - Testemunhas de Jeová - estão muito bem
organizados para auxiliarem as equipes de saúde no processo de tomada de
decisão. Existem Comissões de Ligação com Hospitais, que são constituídas por
pessoas que se dispõem a ir ao hospital prestar assessoria visando o melhor
encaminhamento possível ao caso. A Comissão de Ligação de Hospitais dispõe de
um cadastro de médicos que pode ser útil em tais situações.
BIBLIOGRAFIAS
SOCIEDADE TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E
TRATADOS (SEDE BRASILEIRA). As
Testemunhas de Jeová e a questão do sangue. Tatuí, SP: Torre de Vigia,
1977:4-8.
FRANÇA, G.V.. Comentários ao Código de
Ética Médica. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 1994:50-51, 62-63.
DUNN, H.P.. Ethics for doctors, nurses and
patients. New York: Alba House, 1994:131-132.