Blog “Testemunhas de
Jeová”, de autoria de Superdotado Álaze Gabriel.
Disponível em http://www.alazegabriel.blogspot.com.br
TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E A QUESTÃO DO SANGUE
A posição religiosa das Testemunhas de Jeová em relação ao uso de
sangue na medicina e na alimentação é uma das mais controversas e criticadas ao
longo dos anos. Baseando-se na sua singular interpretação da Bíblia,
entendem que o uso de transfusões de sangue total ou dos seus
componentes primários é proibido pela lei divina. A utilização de sangue ou dos
seus componentes em medicamentos ou procedimentos médicos é usualmente
conhecida por hemoterapia.
FUNDAMENTOS DOUTRINAIS: ORDENS BÍBLICAS
As Testemunhas de Jeová dizem
basear na Bíblia
a sua recusa na utilização e consumo de sangue, humano ou
animal. Entendem que esta proibição foi dada à humanidade em geral visto que
foi transmitida por Deus a um homem que a Bíblia apresenta como ancestral de
todos os homens, Noé.
Além disso, reforçando esta aplicação geral, a ordem teria sido dada na ocasião
em que Noé, tal como o primeiro homem Adão, iria dar um
novo início à sociedade humana. Esta mais antiga referência bíblica ao uso de
sangue diz o seguinte:
· Génesis 9:3-5
"Tudo o que se move e vive vos servirá de alimento; eu vos dou tudo
isto, como vos dei a erva verde. Somente não comereis carne com a sua alma, com
seu sangue. Eu pedirei conta de vosso sangue, por causa de vossas almas, a todo
animal; e ao homem que matar o seu irmão, pedirei conta da alma do homem." (Bíblia Ave Maria)
As Testemunhas entendem que
esta ordem não era uma mera restrição alimentar ou dietética visto que se
associa o sangue não só com o alimento mas também com o assassínio. Mais tarde,
após a formação da nação de Israel, a própria constituição ou Lei nacional incluía as seguintes
ordens:
· Levítico 7:26, 27
"E não deveis comer nenhum sangue em qualquer dos lugares em que
morardes, quer seja de ave quer de animal. Toda alma que comer qualquer sangue,
esta alma terá de ser decepada do seu povo." (Tradução do Novo Mundo)
· Levítico 17:10, 11
"Se alguém da casa de Israel, ou dos estrangeiros que residirem
entre eles, tomar qualquer sangue, eu porei a Minha face contra a pessoa que
toma o sangue, e a cortarei de entre seus parentes. Pois a vida da carne está
no sangue." (versão judaica Tanakh)
A Lei mencionava o que um
caçador devia fazer com um animal morto:
· Levítico 17:13, 14
"Ele deve derramar o seu sangue e cobri-lo de terra. Não deveis
tomar o sangue de carne alguma, pois a vida de toda carne é o seu sangue.
Qualquer pessoa que tomar dele será cortada." (versão
judaica Tanakh)
As Testemunhas mencionam ainda
que esta lei de Deus sobre o sangue não deveria ser desconsiderada nem mesmo
numa emergência. Lembram que alguns soldados israelitas, em certa crise em
tempo de guerra, mataram animais e ‘foram comê-los junto com o sangue’. Apesar
de parecer uma questão de emergência, ainda assim considerou-se esse acto como
pecado contra Deus. (1 Samuel 14:31-35)
Após a morte de Jesus, os apóstolos
reuniram-se para decidir que aspectos da antiga Lei de Israel deveriam ser
adoptados pelos cristãos. A sua decisão foi a seguinte:
· Atos dos Apóstolos 15:28, 29
"O Espírito Santo e nós próprios resolvemos não vos impor outras
obrigações além destas, que são indispensáveis: abster-vos de carnes imoladas a
ídolos, do sangue, de carnes sufocadas e da imoralidade. Procederei bem,
abstendo-vos destas coisas." (Bíblia Sagrada Missionários
da Difusora Bíblica Fransciscanos Capuchinhos, edição de 2002)
Segundo o entendimento das
Testemunhas, os apóstolos não estavam a apresentar um mero ritual ou um
regulamento dietético. O decreto estabelecia normas éticas fundamentais, que os
cristãos primitivos deveriam acatar. Cerca de uma década depois, eles
reforçaram:
· Atos 21:25
"Quanto aos crentes dentre as nações, já avisamos, dando a nossa
decisão, de que se guardem do que é sacrificado a ídolos, bem como do sangue e
do estrangulado, e da fornicação." (Tradução do Novo Mundo)
Assim, segundo o entendimento
das Testemunhas, qualquer pessoa que se afirme cristã deverá obedecer à ordem
bíblica de 'abster-se de sangue.'
OUTRAS REFERÊNCIAS BÍBLICAS
O sangue era considerado
precioso, símbolo da própria vida. A Bíblia contêm várias referências ao sangue
e ao seu simbolismo, o que as Testemunhas consideram muito significativo para a
sua fundamentação. Alistam-se apenas três:
1.
O sangue de um cordeiro foi
pintado em cada ombreira das casas israelitas no Egipto, o que os poupou dos
efeitos mortíferos da décima praga no tempo de Moisés;
2.
O sangue de animais era
derramado em sacrifício no altar do Templo em Jerusalém, representando a própria
vida dos ofertantes;
3.
O sangue que Jesus derramou,
como sacrifício perfeito, em favor de toda a humanidade e que é representado no
cálice de vinho puro usado anualmente na Comemoração da sua Morte.
Na sequência do conteúdo
bíblico apresentado acima, as Testemunhas consideram o sangue como símbolo da
vida e dizem acatar a injunção bíblica de se absterem de sangue, reconhecendo
que apenas o sangue de Cristo pode salvar as suas vidas, tal como o sangue do
cordeiro salvou os israelitas na primeira Páscoa. Para
elas, respeitar a santidade do sangue é um dos aspectos centrais da própria Fé
Cristã. Por estes motivos, rejeitam usar sangue em qualquer alimento e também,
de qualquer outra forma, sustentar a sua vida com o sangue de humanos ou de
animais.
Visto que, segundo a carta
apostólica, a proibição de consumir sangue mantinha-se para os cristãos, estes
recusavam-se a utilizá-lo. As Testemunhas argumentam que, ao longo da história,
existem muitas evidências de que os que se consideravam cristãos também
entendiam de igual forma a proibição bíblica.
Eusébio, escritor do Século III, que é considerado o “pai da história da
Igreja”, relata o que ocorria em Lião (agora em França) no ano
177 EC. Os inimigos
religiosos acusaram falsamente os cristãos de comer crianças. Durante a tortura e
execução de alguns deles, uma jovem chamada Bíblias respondeu à falsa acusação,
dizendo:
"Como
podemos comer crianças — nós, a quem não é nem lícito comer o sangue de
animais?” [1]
Acusações falsas similares
moveram o teólogo latino, Tertuliano (cerca de 160-230 EC), a apontar que,
embora os romanos usualmente bebessem sangue, os cristãos certamente não
bebiam. Ele escreveu:
"Corai
de vergonha pelos vossos modos desnaturais, diante dos cristãos. Nós nem mesmo
temos o sangue dos animais em nossas refeições, pois estas consistem em
alimentos comuns. (...) Nos julgamentos dos cristãos, oferecei-lhes chouriços
cheios de sangue. Estais convictos, naturalmente, de que a própria coisa com a
qual tentais fazê-los desviar-se do caminho correto lhes é ilícita. Como é,
então, que, quando estais confiantes de que ficarão horrorizados diante do
sangue dum animal, credes que se deliciarão ansiosamente com o sangue
humano?" [2]
Também, referindo-se ao
decreto de Atos 15:28, 29, ele afirmou:
"O
interdito do ‘sangue’, nós entenderemos como sendo ainda mais do sangue
humano." [3]
Minúcio Félix, advogado
romano que viveu até cerca de 250 EC, frisou o mesmo ponto, escrevendo:
“Evitamos
tanto o sangue humano que não usamos o sangue nem mesmo dos animais comestíveis
em nossa alimentação.” [4]
O Concílio de Constantinopla (In Trullo),
realizado em 692 EC,
em Constantinopla, declarou:
"A
Escritura divina manda-nos abster do sangue, das coisas estranguladas, e da
fornicação. (…) Se alguém, daqui por diante, aventurar-se a comer de qualquer
modo o sangue dum animal, se for um clérigo, que seja destituído; se for um
leigo, que seja excomungado." [5]
No Século X,
Regino, o abade de Prüm, no que agora
é a Alemanha,
mostrou que a proibição bíblica de se comer sangue ainda era respeitada nos
seus dias. Ele escreveu:
"A
carta dos apóstolos, enviada de Jerusalém,
avisa que tais coisas têm necessariamente de ser observadas. Também os cristãos
têm de abster-se de comer algo apanhado por um animal, pois isso também é
igualmente estrangulado; e do sangue, isto é, não deve ser comido junto com
sangue."
Otto, bispo de Bamberg
(cerca 1060-1139 EC), famoso
prelado e evangelista, explicou aos conversos na Pomerânia
“que não deveriam comer nenhuma coisa imunda, ou que morresse por si mesma,
ou que fosse estrangulada, ou sacrificada aos ídolos, ou o sangue de animais.”
[6]
Martinho
Lutero também reconheceu as implicações do decreto mencionado nos Atos. Ao
protestar contra as práticas e crenças católicas, inclinava-se a agrupar o
concílio apostólico com concílios eclesiásticos posteriores, cujos decretos não
faziam parte da Bíblia. Lutero escreveu o seguinte a respeito de Atos 15:28,
29:
“Daí, se
quisermos ter uma igreja que se ajuste a este concílio (visto ser correcto, uma
vez que é o primeiro e o principal concílio, e foi realizado pelos próprios
apóstolos), temos de ensinar e insistir que doravante, nenhum príncipe, senhor,
burguês, ou campónio, coma gansos, corça, veado, ou leitão cozinhado em sangue,
(...) E os burgueses e campónios têm de abster-se especialmente da morcela e do
chouriço com sangue.” [7]
O teólogo do Século
XVII, Étienne de Courcelles
(1586-1659) explicou Atos
15:28, 29 nas seguintes palavras:
“Os
apóstolos não tencionavam transmitir aqui injunções sobre evitar coisas de que
se absteria a própria natureza, e que eram proibidas pelas leis dos gentios,
mas somente as coisas que, naquela época, geralmente predominavam, e sobre as
quais os gentios,
recém-convertidos, não pensariam que estariam pecando, a não ser que
admoestados. Pois assim como se tem por certo que eles sabiam que tinham de
evitar toda forma de idolatria, todavia, eles não discerniram de imediato que
as coisas sacrificadas aos ídolos deviam ser evitadas; da mesma forma, embora
reconhecessem ser crime derramar sangue humano, todavia, não pensavam a mesma
coisa quanto a comer o sangue animal. Os apóstolos,
com seu decreto, desejavam remediar a ignorância destas pessoas; ao passo que
as livraram do jugo da circuncisão e de outros preceitos legais, eles, mesmo
assim, avisaram que tinham de ser retidas as coisas já observadas desde a
antiguidade pelos estrangeiros que permaneciam entre os israelitas, tais como
as que foram transmitidas a Noé e seus filhos.”
Thomas
Bartholin (1616-80), professor de anatomia na Universidade de Copenhaga, Dinamarca,
protestou contra as infusões de sangue, afirmando: “Os que introduzem o uso
de sangue humano como remédio de uso interno para doenças parecem estar a abusar
dele e a pecar gravemente. Os canibais são condenados. Então, por que não
abominamos os que mancham sua goela com sangue humano? Algo similar é receber
duma veia cortada
sangue estranho, quer por via oral, quer por meio de transfusão. Os autores
desta operação ficam sujeitos ao terror pela lei divina, pela qual se proíbe
comer sangue.”
Durante o Século
XVIII, o cientista e estudioso da Bíblia, Sir Isaac
Newton, expressou o seu interesse na santidade do sangue. Ele declarou:
“Esta lei
era mais antiga do que os dias de Moisés, sendo dada a Noé e a seus filhos,
muito antes dos dias de Abraão: e, assim, quando os Apóstolos e Anciãos no
Concílio de Jerusalém declararam que os gentios não eram obrigados a ser
circuncidados e a guardar a lei de Moisés, eles exceptuaram esta lei de
abster-se do sangue, e de coisas estranguladas, como sendo uma lei anterior de
Deus, imposta, não apenas aos filhos de Abraão, mas a todas as nações.”
O cientista Joseph
Priestley (1773-1804) concluiu:
“A proibição
de comer sangue, dada a Noé, parece ser obrigatória para toda a posteridade
dele. (…) Se interpretarmos esta proibição dos apóstolos pela prática dos
primitivos cristãos, dos quais dificilmente se pode supor não terem entendido
correctamente a natureza e o alcance dela, não podemos senão concluir que se
intencionava ser absoluta e perpétua; pois o sangue não era comido por nenhum
cristão, durante muitos séculos.”
“Os Cristãos
Primitivos obedeciam escrupulosamente ao decreto proclamado pelos Apóstolos em
Jerusalém, de abster-se das coisas estranguladas e do sangue.” [8]
O clérigo William
Jones (1762-1846) escreveu:
“Nada pode
ser mais explícito do que a proibição, Atos XV. 28, 29. Podem aqueles que
alegam sua ‘liberdade cristã’ com respeito a este assunto indicar-nos qualquer
parte da Palavra de Deus em que esta proibição tenha sido subsequentemente
anulada? Se não puderem, talvez nos seja permitido perguntar: Com que
autoridade, excepto a dele mesmo, pode qualquer das leis de Deus ser anulada?” [9]
No Século
XIX, Andrew Fuller, considerado como “talvez o mais
eminente e influente dos teólogos batistas”, escreveu a respeito da proibição
do sangue em Génesis 9:3, 4:
“Isto, sendo
proibido a Noé, parece também ter sido proibido a toda a humanidade; nem deve
tal proibição ser considerada como cabendo às cerimónias da dispensação
judaica. Não só foi ordenada antes que tal dispensação existisse, mas também
foi imposta aos cristãos gentios pelos decretos dos apóstolos, Atos XV. 20. (…)
O sangue é a vida, e Deus parece reivindicá-la para si mesmo como sagrada.” [10]
O perito bíblico católico, Giuseppe Ricciotti (1890-1964) referiu-se ao
incidente de Lião (acima descrito) como evidência de que os primitivos “cristãos
não podiam comer sangue”. E acrescentou:
“Até mesmo
nos séculos que se seguiram, até à Idade
Média, encontramos ecos inesperados desta primitiva ‘abominação’, devida
inquestionavelmente ao decreto”. [11]
Assim, as Testemunhas de Jeová
consideram que se apegam ao modelo apostólico cristão ao rejeitarem utilizar o
sangue humano ou animal, tanto na alimentação como na medicina. Argumentam
ainda que, durante muitos séculos, esta era a posição de muitos eruditos e
teólogos das várias denominações ditas cristãs.
DESENVOLVIMENTO DA POSIÇÃO RELIGIOSA DAS TESTEMUNHAS
A santidade do sangue, do
ponto de vista das Testemunhas, foi destacada na revista A Sentinela, em 1927, no artigo "Uma
razão para a vingança de Deus", que incluía a seguinte declaração:
"Deus
disse a Noé que toda criatura vivente serviria de carne para ele, mas que não
devia comer o sangue, porque a vida se acha no sangue."[12]
Tal como aconteceu com várias
outras doutrinas das Testemunhas, que
sofreram alterações após revisões que entenderam ser refinamentos do seu
entendimento bem como uma maior aproximação ao texto bíblico, a sua posição
sobre as transfusões de sangue não era inicialmente negativa. Na verdade,
alguns Estudantes da Bíblia (como eram inicialmente
conhecidas as Testemunhas de Jeová) pensavam que a proibição de comer sangue,
em Atos 15:28, 29, limitava-se aos cristãos judeus. Há também
uma referência positiva feita na revista Consolação (hoje Despertai!)
onde se menciona um episódio em que “um dos médicos na emergência principal
doou um quarto de seu sangue para transfusão, e hoje a mulher vive e sorri
alegremente.” [13]
No entanto, algum tempo
depois, A Sentinela declarava:
“Ao
estrangeiro, não só como descendente de Noé, mas ora como um obrigado pela lei
de Deus a Israel (...) se lhe proibia comer ou beber sangue, quer por
transfusão quer pela boca.” [14]
Finalmente, A Sentinela
considerou pela primeira vez esta questão de forma aprofundada e esclareceu a
posição das Testemunhas quanto ao sangue, em especial o seu uso na medicina.
Entre outras coisas, o artigo "Inabaláveis a favor da adoração
correcta" mencionava que, embora a transfusão de sangue remontasse aos
antigos egípcios, o caso mais antigo relatado era o da tentativa fútil de
salvar a vida do Papa Inocêncio VIII, em 1492, operação que
custou a vida de três jovens. Este número de A Sentinela argumentava que a lei
de Deus sobre o sangue, fornecida a Noé, era válida para toda a humanidade e
que se exigia que os cristãos se abstivessem do sangue. Em resumo, dizia:
"Uma
vez, então, que o Deus Altíssimo e Santo forneceu instruções claras quanto à forma
de se dispor do sangue, em harmonia com seu pacto eterno feito com Noé e com
todos os seus descendentes, e visto que o único uso do sangue que Ele
autorizou, a fim de fornecer vida à humanidade, era o uso dele como propiciação
ou expiação para o pecado; e visto que deveria ser feito sobre seu santo altar
ou em seu assento de misericórdia, e não por se tomar directamente o sangue no
corpo humano; por conseguinte, compete a todos os adoradores de Jeová que
buscam a vida eterna em seu novo mundo de justiça respeitar a santidade do
sangue e ajustar-se aos decretos justos de Deus no que tange a este assunto
vital." [15]
Coerentemente com esse entendimento
da questão, a partir de 1961, quem quer que desconsiderasse esse requisito
considerado divino, aceitando transfusão de sangue e manifestasse uma atitude
impenitente, seria desassociado da congregação das
Testemunhas de Jeová. Actualmente, a aceitação de transfusão de sangue por
parte de um membro baptizado é entendido como uma expressão do seu desejo de
dissociar-se da religião, deixando de pertencer às Testemunhas de Jeová. Apesar
de não exigir acção judicativa por parte da congregação, a pessoa será tratada
como alguém que foi excluído ou desassociado das Testemunhas de Jeová.
DESENVOLVIMENTOS DO CONCEITO BASE
A recusa de hemoterapia por
parte das Testemunhas levantou várias questões de ordem médica, ética e legal.
A própria evolução da medicina e dos procedimentos clínicos envolvendo o
manuseio do sangue, exigiram que as Testemunhas reavaliassem a sua posição à
base do seu entendimento da Bíblia que, compreensivelmente, não descreve em
pormenores que tipo de práticas serão aceitáveis ou condenáveis.
Apresentando a importância da
consciência individual nas questões que vão para além do que as Testemunhas
entendem que está estritamente escrito na Bíblia, a revista A Sentinela, em 2004, explicou:
"A
Bíblia deixa claro que aquele que obedecia a Deus não comia carne com sangue.
Isso era tão importante que mesmo numa emergência, quando soldados israelitas
comeram carne com sangue, eles foram considerados culpados dum grave erro, ou
pecado. (Deuteronômio 12:15, 16; 1 Samuel 14:31-35) Mesmo assim, podem ter
surgido dúvidas. Ao matar uma ovelha, com que rapidez tinha de sangrá-la? Tinha
de cortar a garganta do animal para sangrá-lo? Era necessário pendurar a ovelha
pelas pernas traseiras? Por quanto tempo? O que faria no caso duma vaca? Mesmo
depois da sangria, era possível que algum sangue continuasse na carne. Podia
comer tal carne? Quem decidiria isso?" [16]
O Corpo Governante das
Testemunhas de Jeová esclareceu que em tais situações, no antigo Israel,
seriam as consciências individuais de cada um a decidir o que fazer. Entenderam
que em certos casos, cada Testemunha tem de tomar decisões próprias baseadas
nas suas convicções e nos ditames da sua consciência, em especial no
concernente aos seguintes dois casos.
FRAÇÕES MENORES DO SANGUE
Com o desenvolvimento dos
meios de manuseio do sangue, nos anos recentes foi possível dividir o sangue em
fracções cada vez menores. O compêndio Emergency Care (Atendimento de
Emergência), de 2001, sob “Composição do Sangue”, declarou:
“O sangue é
composto de vários elementos: plasma, glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e
plaquetas.”
A maioria das transfusões
realizadas actualmente não é de sangue total, mas de um dos seus componentes
primários:
· glóbulos vermelhos;
· glóbulos brancos;
· plaquetas;
· plasma, a parte líquida.
Dependendo do quadro clínico
do paciente, os médicos talvez prescrevam glóbulos vermelhos, glóbulos brancos,
plaquetas ou plasma. A transfusão desses componentes primários permite que uma
unidade de sangue seja dividida entre mais pacientes. Naturalmente, se rejeitar
sangue total numa transfusão parece claro, à luz do seu entendimento bíblico, o
mesmo já não se pode dizer quando ele é dividido, visto que a Bíblia não tece
considerações sobre isso. As Testemunhas de Jeová defendem a opinião que
qualquer desses quatro componentes primários ainda é na verdade sangue e, como
tal, devem ser rejeitados como violação do que consideram ser a lei de Deus.
A revista A Sentinela, em 2000, [17],
considerou a posição das Testemunhas sobre fracções ainda menores. Visto que o
sangue pode ser processado além dos componentes primários, surgem questões
sobre fracções derivadas desses componentes. Por exemplo, o plasma,
apesar de composto na sua maioria de água, transporta dezenas de hormonas, sais
inorgânicos, enzimas,
e nutrientes, incluindo minerais e açúcar. O
plasma também contém proteínas como a albumina,
factores de coagulação e anticorpos para combater doenças que
podem ser isolados e administrados em separado. Por exemplo, o factor VIII
de coagulação tem sido administrado a hemofílicos.
Ou caso alguém fique exposto a certas doenças, os médicos podem prescrever
injecções de gamaglobulina, extraída do plasma sanguíneo de pessoas
que já tenham imunidade.
Os outros componentes
primários (glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas) também podem ser
processados para se isolar deles partes menores. Por exemplo, glóbulos brancos
podem fornecer interferons e interleucinas, usados para o tratamento de algumas
infecções virais e alguns tipos de cancro. As plaquetas podem ser
processadas para se extrair delas um factor de cicatrização. E há outros
medicamentos que envolvem (pelo menos inicialmente) derivados de componentes
sanguíneos. Essas terapias não constituem transfusões de componentes primários;
geralmente envolvem partes ou frações deles.
MANUSEIO DO SANGUE DURANTE PROCEDIMENTOS CLÍNICOS
Se a transfusão de sangue de
terceiros, incluindo os seus componentes primários, é entendida como uma clara
violação da Lei de Deus, as Testemunhas tiveram de reavaliar a sua posição
quanto a certos outros procedimentos, recentemente desenvolvidos, que envolvem
a recolha, tratamento, armazenamento e reinfusão do seu próprio sangue.
No artigo referido o Corpo
Governante reconhece que a Bíblia não fornece detalhes sobre tais assuntos e,
por isso, cada Testemunha deve tomar a sua própria decisão, baseada na sua
consciência, perante Deus. Quanto a estas fracções menores de sangue, o que
cada Testemunha decidir deve ser respeitado pelos restantes membros da
congregação.
Em 2000, a revista A Sentinela
[18]
abordou este assunto. Por exemplo, as Testemunhas não objectam a que o seu
sangue seja extraído para que se efectuem análises para diagnóstico, visto que
este sangue será depois eliminado. Consideram que isto não viola a seguinte
ordem bíblica:
·
Deuteronómio 12:16, 24; 15:23
“Somente não deveis comer o sangue. Deves derramá-lo na terra como
água.” (Tradução do Novo Mundo)
“O sangue
não deve ser armazenado, mas tornado impróprio para consumo por ser despejado
no solo.”
Nenhum israelita devia
apropriar-se do sangue de outra criatura, cuja vida pertencia a Deus. Tampouco
devia armazenar ou usar tal sangue.
Assim, para as Testemunhas,
existe uma violação da Lei de Deus quando se efectua a recolha do sangue de
alguém, semanas antes de uma cirurgia (doação autóloga pré-operatória), para
que, se houver necessidade, se possa transfundir o sangue do próprio paciente.
Entende-se que o acto de colectar ou recolher, armazenar e transfundir o sangue
é directamente contrário ao que é dito em Levítico e em Deuteronômio. Para
elas, o sangue não deve ser armazenado, deve ser derramado ou eliminado,
simbolicamente devolvido a Deus.
No entanto, existem outros
procedimentos que podem não envolver o armazenamento do sangue. Por exemplo,
certos fluidos são usados para manter o volume do sangue, evitando o
choque hipovolémico, ou seja, a perda maciça de sangue. Em alguns laboratórios
de investigação estão já a ser testados alguns fluidos que podem transportar
oxigénio.
Alguns medicamentos,
tais como as proteínas modificadas geneticamente, podem estimular a
produção de glóbulos vermelhos, de plaquetas sanguíneas e de glóbulos brancos.
Outros medicamentos reduzem bastante a perda de sangue durante a cirurgia, ou
ajudam a reduzir hemorragias agudas.
Os hemóstatos biológicos
são tampões de colágeno e celulose que, aplicados directamente, podem estancar
sangramentos. Colas e seladores de fibrina podem fechar ferimentos causados por
instrumentos perfurantes ou cobrir áreas maiores de tecidos que sangram.
Além disso, muitas técnicas
cirúrgicas como o planeamento pré-operatório, incluindo o contacto com
cirurgiões experientes e com a respectiva equipa, em particular o anestesista,
pode evitar complicações de última hora. É vital tomar medidas imediatas para
estancar hemorragias visto que atrasos de mais de 24 horas podem aumentar muito
a mortalidade dos pacientes. Quando possível, dividir cirurgias grandes em
várias menores é outra das formas de evitar perdas de grande quantidade de
sangue, permitindo ainda que o paciente se recupere entre as intervenções.
As Testemunhas também defendem
o uso adequado de instrumentos cirúrgicos. Alguns instrumentos cortam e
cauterizam, ao mesmo tempo, os vasos sanguíneos. Outros podem estancar o
sangramento em grandes porções de tecido. Instrumentos de laparoscopia e outros
meios considerados pouco invasivos, ou seja, que permitem a operação através da
introdução de sondas e outros equipamentos cirúrgicos através de minúsculos
orifícios, permitem que se realizem cirurgias sem a perda de sangue decorrente
de incisões grandes.
A recuperação sanguínea
também tem sido muito usada durante certos procedimentos cirúrgicos. Uma das
formas é por desviar parte do sangue do paciente através de um processo chamado
hemodiluição. O sangue que continua no corpo do paciente é diluído.
Algum tempo depois, aquele sangue que se encontra no circuito externo é
reinfundido no seu corpo, fazendo com que a contagem de células sanguíneas
fique mais próxima do normal. Similarmente, o sangue que sai de uma incisão
pode ser recolhido e filtrado para que os glóbulos vermelhos sejam devolvidos
ao paciente, num procedimento usualmente chamado de recuperação sanguínea
onde máquinas recuperam o sangue perdido durante cirurgias ou traumas. O sangue
é filtrado e pode retornar ao paciente num circuito fechado. Em casos extremos,
podem ser recuperados litros de sangue com esse sistema.
Noutros casos, o sangue pode
ser desviado para um aparelho que temporariamente exerce a função normalmente
desempenhada por órgãos do corpo (como coração, pulmões ou rins), tal como
acontece com os aparelhos de hemodiálise. Depois, o sangue que está no
aparelho é reinfundido no paciente. Em outros procedimentos, o sangue é desviado
para um aparelho centrifugador a fim de que as partes prejudiciais ou
defeituosas possam ser eliminadas. Ou talvez o objectivo seja isolar certa
quantidade de um componente do sangue e aplicá-la em outra parte do corpo. Há
também testes em que uma quantidade do sangue é retirada com o objectivo de ser
marcada ou misturada com medicamento, após o que é reintroduzida no
paciente. Em todos estes casos, entende-se o procedimento como uma mera
extensão do sistema circulatório do paciente, mantendo-se a circulação
extra-corpórea em circuito fechado e fluindo ininterruptamente.
Quanto a todos os casos, o
Corpo Governante das Testemunhas de Jeová também entende que não existem
princípios bíblicos directos que esclareçam o que fazer. Além disso, os
detalhes podem variar e, naturalmente, surgirão novos procedimentos,
tratamentos e testes. Assim, remetem para cada Testemunha a decisão de como o
seu próprio sangue será manipulado no decorrer de um procedimento cirúrgico,
exame médico ou terapia que esteja a receber no momento. Quanto a estes
procedimentos médicos, o que cada Testemunha decidir deve ser respeitado pelos
restantes membros da congregação.
ESCLARECIMENTO PÚBLICO SOBRE A SUA POSIÇÃO ATRAVÉS DE PUBLICAÇÕES
DIRIGIDAS AO PÚBLICO
De início, os efeitos
colaterais físicos das transfusões de sangue não foram considerados nas
publicações da Sociedade Torre de Vigia. Mais tarde,
quando essas informações se tornaram disponíveis, essas também foram
publicadas, não como a razão principal de as Testemunhas de Jeová recusarem
transfusões de sangue, mas para fortalecer o seu apreço pela proibição que
atribuem a Deus sobre o uso do sangue.
Para esse fim, em 1961 foi
publicado o folheto O Sangue, a Medicina e a Lei de Deus. Em 1977, publicou-se outro
folheto intitulado As Testemunhas de Jeová e a Questão do Sangue, que
salientou de novo o facto de que a posição tomada pelas Testemunhas de Jeová é
religiosa, baseada no que entendem da Bíblia, e não depende de factores de
risco clínico. Outra actualização do assunto foi apresentada em 1990 na brochura Como
Pode o Sangue Salvar Sua Vida?, disponível
on-line. Outros artigos que tratam de assuntos relacionados com a
saúde e tratamentos médicos estão também disponíveis no seu web site.
Todos estes meios de informação são dirigidos ao público em geral na maioria
das principais línguas do planeta.
ATRAVÉS DE DOCUMENTÁRIOS EM VÍDEO
Uma série de três vídeos foi
produzida pela Sociedade Torre de Vigia, apresentando a razoabilidade e a
eficácia de tratamentos médicos e cirurgias sem o uso de sangue. Nos três
vídeos, cirurgiões bem conhecidos contrastam a eficácia das estratégias
alternativas à transfusão com os procedimentos convencionais que utilizam
sangue.
O primeiro vídeo da série é
intitulado Estratégias Alternativas à Transfusão: Simples, Seguras, Eficazes.
Ele foi elaborado especialmente para médicos e académicos de medicina. Foi
usada animação computorizada para ilustrar as funções dos componentes do
sangue. Este documentário foi inscrito no 34.° Festival
Internacional de Filme e Vídeo, um evento anual nos Estados Unidos, estando
1.500 inscritos de 33 países. O vídeo concorreu em três categorias, sendo que em duas
delas — Documentação de Pesquisas e Profissional-Educativo — ficou em segundo
lugar e recebeu o Prémio Tela de Prata. Na
terceira categoria, Actualidades, o vídeo ganhou o primeiro lugar e recebeu o Prémio Câmara de Ouro.
O segundo vídeo é intitulado Transfusões
e Cuidados Alternativos de Saúde — Atendendo às Necessidades e aos Direitos do
Paciente. Foi elaborado especialmente para jornalistas de assuntos médicos,
profissionais da área de saúde e da justiça e assistentes sociais. Como o
título sugere, o vídeo considera como cuidar das necessidades médicas dos
pacientes e ao mesmo tempo respeitar seus direitos legais. Além disso,
apresenta argumentos sobre a redução de custos ao usar técnicas cirúrgicas sem
sangue.
O terceiro vídeo da série é
intitulado Sem Sangue: A Medicina Encarou o Desafio. Elaborado
primariamente para o público em geral, esse vídeo já foi divulgado por redes de
televisão nos Estados Unidos e de outros países. Pretende-se que os comentários
positivos dos profissionais entrevistados no vídeo, que não são Testemunhas de
Jeová, ajudem o público a saber mais sobre o valor das cirurgias sem
sangue e a minimizar os efeitos prejudiciais causados pelo preconceito devido à
desinformação.
ATRAVÉS DE DOCUMENTOS PROFISSIONAIS
Para alcançar juízes,
assistentes sociais, hospitais gerais e pediátricos, cirurgiões e pediatras com
informações sobre as alternativas à hemoterapia, as Testemunhas de Jeová
produziram, especificamente para esses profissionais e autoridades da área de
saúde, uma pasta de 260 páginas intitulada Cuidados e Tratamentos Médicos
Para as Famílias de Testemunhas de Jeová. É um compêndio de folhas não
encadernadas, para que possa ser mantido actualizado. Visto que tem havido
alguns mal-entendidos sobre a vida familiar das Testemunhas de Jeová, esse
compêndio também pretende informar esses profissionais sobre o tipo de ambiente
familiar que possuem que consideram exemplar, produzido por um estilo de vida
moldado pelos ensinos bíblicos. Para ajudar pediatras a tratar filhos de
Testemunhas de Jeová sem transfusões de sangue, também produziram um compêndio
com três índices contendo 55 artigos da literatura médica que mostram o que se
pode fazer sem sangue num grande número de problemas de recém-nascidos.
RELAÇÃO COM A CLASSE MÉDICA
Visto que as Testemunhas não
acreditam em milagrosas "curas pela fé", quando ficam doentes ou
sofrem um acidente procuram socorros médicos. Nisso, não tentam ditar aos
médicos como exercer a medicina ou até mesmo como lidar com seu problema
específico. A única coisa que solicitam coerentemente aos médicos é que não se
use sangue.
Segundo afirmam as suas
publicações, as Testemunhas têm elevado respeito pela formação profissional e
pelas habilitações das pessoas do sector médico. Apreciam sinceramente os
médicos que usam sua perícia para tratar um paciente, mas, que o fazem segundo
as crenças do paciente. Esperam que o médico trate não apenas o paciente mas,
acima de tudo, a pessoa. As Testemunhas reconhecem que é preciso coragem para
um médico operar sem estar livre para usar sangue. Também, é preciso certa
medida de coragem para contrariar conceitos opostos de colegas e concordar em
exercer a medicina sob condições que possam ser consideradas como abaixo das
ideais, em sentido médico.
Reconhecem que certos
processos cirúrgicos talvez envolvam tanta perda de sangue que um médico talvez
creia honestamente que não possam ser realizados nos termos que as Testemunhas
apresentam. Nestes casos extremos entendem que não será uma transfusão de
sangue que poderá fazer qualquer diferença mas, ainda que o fosse em casos
pontuais, estão decididas a cumprir aquilo que consideram ser as ordens
divinas. A maior parte das cirurgias, contudo, pode ser realizada sem sangue.
Mesmo que os médicos talvez achem que, por não usarem sangue, a operação se
torna mais perigosa, as Testemunhas estão dispostas a enfrentar tais riscos
aumentados, com a ajuda de médicos peritos.
COMISSÕES DE LIGAÇÃO HOSPITALAR
Para apoiar as Testemunhas de
Jeová na sua recusa de receber sangue, para sanar mal-entendidos da parte de
médicos e hospitais, e para criar um espírito de maior cooperação entre as
instituições de saúde e os pacientes, o Corpo Governante das
Testemunhas de Jeová estabeleceu Comissões de Ligação Hospitalar a
partir de 1979. Compostas de Testemunhas de Jeová experientes, treinadas para
lidar com conhecimento de causa com médicos e hospitais, essas comissões
pretendem efectuar um trabalho de esclarecimento e prevenção, evitando
confrontos e estabelecendo um espírito mais cooperador.
Estabeleceram na sua sede
mundial, em Brooklyn,
Nova
Iorque, Estados Unidos da América, um
departamento chamado Serviços de Informação Hospitalar (SIH).
Representantes deste departamento viajaram a vários países, em muitas partes do
mundo, dirigindo seminários em algumas filiais da Associação Torre
de Vigia, e formando Comissões de Ligação Hospitalar (sigla CLH em Portugal
ou COLIH, no Brasil), que entram em contacto com hospitais e médicos à medida
que surge a necessidade. Ao visitarem as maiores filiais, os representantes do
SIH também estabeleceram departamentos de Serviços de Informação Hospitalar
para dar prosseguimento a essa obra, depois de sua partida.
Estas Comissões estabelecem
contactos regulares com médicos, magistrados judiciais e assistentes sociais, o
que tem permitido o desenvolvimento de tratamentos médicos mais seguros
alternativos à hemoterapia. Também, sempre que um dos seus membros seja
hospitalizado e a transfusão de sangue se torne uma questão, os anciãos congregacionais
devem contactar a Comissão de Ligação Hospitalar regional para prestar ajuda.
Actualmente existem milhares destas Comissões de Ligação Hospitalar na maioria
das grandes cidades onde existem Testemunhas de Jeová. Nas suas listas estão
incluídos dezenas de milhares de médicos, de
diversas especialidades clínicas que já afirmaram estar disponíveis para
atender e tratar Testemunhas de Jeová quando outros profissionais de saúde o
recusam fazer.
Devido à acção concertada das
Comissões de Ligação Hospitalar, são cada vez em maior número as instituições
hospitalares que aceitam tratar Testemunhas de Jeová sem recorrer a
procedimentos que violem as suas consciências. Inclusive, alguns dos maiores
hospitais do mundo, anunciam a sua política de cirurgia livre de sangue, não só
disponível às Testemunhas como a todos os pacientes que o requeiram. Seja pela
acção das Testemunhas, ou simplesmente como evolução e adaptação às novas
terapias sem o uso do sangue, a realidade é que muitas instituições de saúde,
mesmo algumas patrocinadas ou apoiadas por denominações religiosas que não
possuem a mesma posição das Testemunhas quanto à hemoterapia, informam o seu
público destas alternativas. Alguns, entre os muitos exemplos nos Estados Unidos da América, são:
DECLARAÇÃO ANTECIPADA DA SUA DECISÃO INDIVIDUAL
É norma que cada Testemunha de
Jeová, desde que seja um membro batizado, adulto ou menor maduro, traga sempre
consigo um documento de identificação onde está exposta a sua clara recusa em
receber sangue total ou qualquer um dos seus quatro componentes principais, bem
como a sua recusa em usar procedimentos clínicos que incluam o armazenamento de
sangue para posterior infusão. Este documento, Declaração/Procuração sobre
Cuidados de Saúde inclui também a decisão pessoal, segundo opções tomadas
em consciência, sobre três áreas distintas:
· A aceitação ou recusa, total ou parcial, dos hemoderivados, ou fracções
menores, dos quatro componentes principais.
· A aceitação ou recusa, total ou parcial, dos meios de tratamento que
impliquem o manuseio do sangue, em circuito extracorpóreo ininterrupto.
· Decisões quanto ao que fazer caso o portador do documento se venha a
encontrar num estado clínico de morte cerebral declarada, estando a vida
dependente de máquinas, esclarecendo se estas devem ser desligadas ou não.
Este documento, com valor
legal, é assinado perante duas testemunhas e incluem os contactos de dois
procuradores a quem o documento entrega poderes de decisão sobre os cuidados de
saúde caso o portador se encontre incapacitado de falar, bem como a acederem ao
relatório clínico do paciente ou a defendê-lo em tribunal, se isso for
requerido. Este documento isenta a equipa médica e a administração hospitalar
de quaisquer responsabilidades legais resultantes de sua decisão. Em casos de
cirurgias planeadas ou em casos onde a própria pessoa pode expressar-se e
assinar documentos, é habitual entregarem uma declaração de isenção de
responsabilidade mencionando directamente a instituição hospitalar onde se
procederá à intervenção ou então preencherem os documentos do próprio hospital,
rasurando ou acrescentando frases que melhor expressem a sua vontade pessoal.
DESAFIOS LEGAIS
Apesar da posição das
Testemunhas de Jeová ser cada vez mais conhecida e desmentida, ainda surgem
desafios éticos e legais que as Testemunhas enfrentam e tentam vencer. Outras
vezes são as instituições hospitalares que recorrem a vias judiciais para
forçar um determinado tratamento recusado, especialmente quando o paciente é
uma criança.
Após ser devidamente
esclarecido sobre os riscos e/ou benefícios de um tratamento médico, um
paciente adulto capaz tem o direito de aceitá-lo ou não. É uma expressão da sua
liberdade, declarada e garantida pela Constituição de vários países.
Na grande maioria dos casos,
quando uma Testemunha é posta perante a necessidade de uma transfusão de
sangue, recusá-la não é uma manifestação do desejo de morrer, mas sim ter
acesso a tratamentos alternativos que não violem as suas consciências.
Naturalmente, alguns médicos ou membros de equipas médicas poderão, em
consciência, rejeitar tratar um paciente que não aceita os tratamentos que
estes lhe apresentam, caso considerem que não possuem meios de recorrer a
alternativas viáveis.
Quando a questão envolve
filhos de pais em que ambos são Testemunhas de Jeová, eles esperam que seus
filhos recebam tratamento médico isento de sangue. Insistem com a equipa médica
para que se usem as várias alternativas médicas às transfusões de sangue.
Quando existe objectivamente risco da morte iminente de um menor, ao abrigo da
Constituição de alguns países, os Tribunais de Menores têm vindo a decretar a
suspensão temporária do poder paternal e autorizar o tratamento médico
recomendado.
A revista The Journal of
the American Medical Association (JAMA), considerou este assunto no artigo Testemunhas
de Jeová- O desafio cirúrgico/ético [19]
que, com a sua permissão, foi publicado como Apêndice na brochura Como Pode
o Sangue Salvar a Sua Vida?, publicada pela Sociedade Torre de Vigia. O mesmo
aconteceu com o artigo da revista New York State Journal of Medicine,
1988; 88:463-464, editada pela Sociedade Médica do Estado de Nova Iorque,
Estados Unidos da América. O artigo
reimpresso tem o tema Sangue: quem decide? Baseado na consciência de quem?
e foi escrito pelo Dr. J. Lowell Dixon [20].
Ambos os artigos no Apêndice, bem como toda a brochura, podem ser consultados
on-line no web site das Testemunhas de Jeová.
Atualmente no Brasil, do ponto
de vista estritamente legal, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que, em
caso de morte iminente, o médico tem o dever ético-profissional e legal de
ministrar sangue ao paciente, caso, obviamente, não haja a MENOR possibilidade
de aplicação dos métodos alternativos.
Alguns juristas sustentam que,
quando se tratar de paciente maior de idade, deveria haver maior flexibilização
legal; mas do ponto de vista estritamente legal, aos médicos compete ministrar
o sangue caso realmente necessário, ainda que com oposição do paciente. Alguns
testemunhas de Jeová reportam casos esporádicos e excepcionalíssimos em que foi
concedido o direito ao mesmo de recusar o recebimento de sangue, mas não se tem
a confirmação dessa afirmação, eis que nunca fornecem os números de processos
para consulta.
Quando se tratam de menores de
idade, não há qualquer controvérsia no mundo jurídico: sempre que necessário, o
sangue deve ser ministrado ao menor, independentemente da vontade dos pais. Não
se tem notícia de um precedente sequer que tenha decidido ao contrário. Aliás,
o que se tem em notícia são de condenações dos pais e representantes da
religião na esfera criminal, por homicidio, quando atuaram de forma decisiva a
impedir a transfusão que salvaria a vida da criança ou adolescente que morreu.
Os Conselhos tutelares também
costumam intervir na questão, procurando o Ministério Público ou mesmo
ingressando com ações na justiça que garantam a transfusão do menor.
O fundamento legal é bem
simples: a Constituição coloca o direito à vida acima do direito à liberdade
religiosa.
OPINIÕES DOS CRÍTICOS
Os críticos das Testemunhas de
Jeová acusam a política da organização em considerar como excluídos ou desassociados aqueles que,
no exercício do seu livre arbítrio, decidem aceitar tratamentos médicos com
base na hemoterapia,
ou seja, a transfusão de sangue total ou de algum dos seus principais
hemocomponentes, nomeadamente o que as Testemunhas consideram os seus quatro
componentes básicos, seja autóloga ou não. Apesar de no passado se tomar
toma uma acção judicativa interna para tratar dos casos em que alguém
voluntariamente se submetia à hemoterapia, esse já não é o caso nos anos mais
recentes. Actualmente, as Testemunhas entendem que a pessoa usou a sua
liberdade para, de forma consciente e deliberada, rejeitar os ensinos e
procedimentos que aceitou, também isso no exercício da sua liberdade, quando
decidiu batizar-se
como Testemunha de Jeová. Argumentam que a pessoa só se torna Testemunha após
extenso programa de estudo da Bíblia, usualmente durante muitos meses, onde a
proibição de usar sangue total, que consideram divina, é explicada. O manual
usado ao dirigir estudos com os interessados, O Que a Bíblia Realmente Ensina?,
na página 131, após considerar os versículos bíblicos que usam em apoio desta
sua doutrina, acrescenta as seguintes palavras:
"Na atualidade,
os servos fiéis de Deus estão firmemente decididos a seguir as instruções
divinas a respeito do sangue. Eles não o comem de nenhuma forma. Tampouco
aceitam sangue por razões médicas. Eles têm certeza de que o Criador do sangue
sabe o que é melhor para eles. Você acredita que Deus realmente sabe
isso?"
As Testemunhas referem ainda
que qualquer pessoa que decide batizar-se assina voluntariamente, diante de
testemunhas escolhidas por si mesmo e perante dois procuradores a quem
expressa, de viva voz e sem qualquer coação, a sua decisão pessoal, uma
declaração onde afirmam que não aceita "nenhuma transfusão de sangue
total, glóbulos
vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas ou plasma,
em nenhuma circunstância, mesmo que outros, nomeadamente os profissionais de
saúde, o julguem necessário para preservar a minha vida." Para as
Testemunhas, um dos seus membros batizados que aceita uma transfusão de sangue,
contraria esta declaração e o juramento por ocasião do seu batismo. Segundo as
Testemunhas, a pessoa indica por suas acções que não quer mais associar-se com
a organização a que pertencia e cujas regras adoptou, considerando assim que
ela se dissociou voluntariamente.
Em 21 de
Setembro de 1995,
a Comissão Europeia dos Direitos Humanos publicou um relatório sobre um
acordo que a Associação Cristã das Testemunhas de Jeová da Bulgária
fez com o Governo da Bulgária.
"Com
respeito a posição das Testemunhas de Jeová em relação ao sangue ... os
pacientes Testemunhas de Jeová recorrendo sistematicamente a tratamentos
médicos para si mesmos e para os seus filhos, fá-lo-ão usando de seu próprio
livre arbítrio, sem nenhum controle e sanção por parte da requerente." [21]
Segundo os críticos, este
acordo foi mantido oficialmente em sigilo até a sua ampla divulgação na
Internet. As Testemunhas contrapõem que, a ser verdade, tal secretismo não
parece ser necessário uma vez que o texto apenas expressa o que realmente
acontece, ou seja, a pessoa usa de livre arbítrio e a congregação simplesmente
aceita a sua renúncia expressa.
O mesmo parece acontecer com
as palavras atribuídas ao Dr. Raul Josefino, advogado da Associação das
Testemunhas de Jeová de Portugal:
"No
limite, a liberdade de receber sangue é uma opção da Testemunha. Ela pode
consentir e recebê-lo sem sofrer qualquer tipo de recriminação." [22]
Alternativas actualmente disponíveis
Eritropoietina
Alternativas
médicas ao sangue, o que inclui os substitutos do sangue,
frequentemente chamados por sangue artificial, são usados para encher o
volume de fluido
e transportar o oxigênio e outros gases ao sistema circulatório.Os termos preferidos e
mais exactos são: expansores do volume e terapias de oxigênio.
Nos últimos anos, muitas técnicas modernas e inovadoras tem sido desenvolvidas
para tratamentos como a recuperação intra-operatória de
sangue e outras relacionadas às cirurgias sem sangue. Ao passo que novos
métodos usados em tratamentos médicos e cirurgia sem sangue, tornam-se
disponíveis, estes tem sido a escolha de muitos pacientes.
REFERÊNCIAS
1.
↑
The History of the Christian Church (1837), de William
Jones, página 106
2.
↑
Tertullian Apologetical Works and Minucius Felix, Octavius, tradução de Rudolph Arbesmann (1950), página 33
3.
↑
The Ante-Nicene Fathers, Vol. IV, páginas 85, 86
4.
↑
The Ante-Nicene Fathers, Vol. IV, página 192
5.
↑
Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church, de Philip
Schaff e Henry Wace, Vol. XIV, página 395
7.
↑
Luther’s Works, Vol. 41 (Igreja e Ministério III), editado por Eric W. Gritsch,
página 28
8.
↑
The Ecclesiastical History of the Second and Third Centuries (1845), de John Kaye,
Bispo de Lincoln, página 146
9.
↑
The History of the Christian Church, página 106
12.
↑
A
Sentinela, de 15 de Dezembro de 1927 (em inglês)
13.
↑
Consolação (hoje Despertai!) de 25 de Dezembro de 1940 (edição inglesa),
na página 19
14.
↑
A
Sentinela de 1 de Dezembro de 1944 (em português: Dezembro de 1945)
15.
↑
A
Sentinela de 1 de Julho de 1945 (em inglês)
16.
↑
A
Sentinela de 15 de Junho de 2004, na página 23
17.
↑
A
Sentinela de 15 de Junho de 2000, páginas 29 e 30 (com reimpressão na
edição de 15 de Junho de 2004, páginas 29 a 31)
18.
↑
A
Sentinela de 15 de Outubro de 2000, páginas 30 e 31
19.
↑
The Journal of the American Medical Association de 27 de novembro de 1981,
Volume 246, nº 21, páginas 2471, 2472, publicada pela Associação Médica
Americana
20.
↑
New York State Journal of Medicine, 1988; 88:463-464
21.
↑
Relatório da Comissão Europeia dos Direitos Humanos, Requerimento n.º 28626/95,
ACTJ da Bulgária v. Bulgária, de 9/3/1995, Parte II, pág. 4 § 17
22.
↑
Jornal Público de 17 de Dezembro de 1999, na secção
Sociedade
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